Análise à importância da tradução no registo e na comparação de marcas

A tradução de palavras estrangeiras, de forma a determinar se estas são passíveis de registo, ou iguais ou similares a marcas já existentes, é, certamente, um assunto relevante no Direito de Marcas. Nesta breve abordagem, comentamos a sua importância, dando especial foco à doutrina dos equivalentes estrangeiros do Instituto de Marcas e Patentes dos Estados Unidos da América (USPTO).

 

A língua pode ser um fator de confusão no processo de registo de marcas e, neste sentido, o conhecimento dos equivalentes das marcas com termos estrangeiros está a ganhar relevo dentro dos Institutos, tendo em conta que, através desta análise linguística, estes são capazes de verificar se as marcas em questão carecem de caracter distintivo, não sendo, assim, passíveis de registo; e de verificar se estas foram previamente utilizadas em, ou registadas para assinalar produtos ou serviços que possam ser associados à mesma origem.

Neste sentido, a diversidade das línguas é, na sua natureza, uma barreira que ergue dificuldades na integração das marcas no mercado e na harmonização do sistema dos Institutos em diversos níveis. Ou seja, sem o conhecimento das línguas estrangeiras, bem como da sua cultura e identidade, a comunicação e a esfera de mercado seriam ininteligíveis.

De certa forma, as diferenças nas interpretações e metodologias legais, adotadas pelos Institutos na fase de examinação de marcas, promovem irrefutavelmente situações de monopólio em detrimento dos concorrentes e do mercado interno como um todo, e criam, eventualmente, repercussões negativas na livre circulação de bens e serviços.

Tendo em consideração os problemas supra referidos, que poderão surgir de futuro pelo uso de termos genéricos como marcas numa língua diferente, um número de medidas adotadas pelos tribunais, que permitirão um crescimento estável, um comércio equilibrado e uma competição justa, entram em ação. Posto isto, num primeiro momento, iremos comentar brevemente a abordagem europeia e, posteriormente, desenvolver a doutrina dos equivalentes estrangeiros do USPTO.

A União Europeia cresceu e conta, agora, com 24 línguas oficiais, semioficiais e mais de 100 línguas regionais e minoritárias, e dialetos. Um número tão generoso de línguas e variedades linguísticas é, de facto, um desafio para a legislação, administração e sistema judicial da União Europeia, bem como para o mercado interno e internacional.

Na verdade, as marcas da União Europeia são tidas como um mecanismo de competição económica e, com esse objetivo, a proteção legal da marca é considerada como um elemento crucial no processo de expansão.

De modo a corroborar os direitos exclusivos dos requerentes sobre as suas marcas, permitindo-lhes prevenir que terceiros usem marcas iguais ou similares às suas, para os mesmos produtos ou serviços, os motivos absolutos de recusa presentes nas Linhas de Orientação da EUIPO focam dois tópicos significativos, sob a base de referência (significado corrente que o público relevante atribui a uma palavra):

  1. O sinal deve ser recusado se for descritivo em qualquer uma das línguas oficiais da União Europeia, independentemente da dimensão ou da população do país em causa.
  2. Só se efetuam verificações linguísticas sistemáticas nas línguas oficiais da União Europeia. Contudo, se existirem provas convincentes de que um determinado termo possui um significado numa língua que não seja uma língua oficial da União Europeia e que é compreendido numa parte da mesma, o termo deve igualmente ser recusado.

Este segundo tópico pode ser ilustrado pelo termo ‘Hellim’, que é a tradução para turco da palavra grega ‘Halloumi’, um tipo de queijo. Dado que o turco é uma língua oficial no Chipre, é uma língua compreendida e falada por parte da população deste mesmo país e, por conseguinte, o consumidor médio cipriota pode compreender que ‘Hellim’ é um termo descritivo para queijo (ver acórdão de 13/06/2012, T-534/10, Hellim, EU:T:2012:292).

No que respeita à abordagem dos Estados Unidos da América, o USPTO criou a doutrina dos equivalentes estrangeiros – uma linha de orientação utilizada no Direito de Marcas nesta jurisdição, que requer dos examinadores, relativamente às recusas sob a Lei de Marcas, Secção 2(d), a tradução dos termos estrangeiros de modo a determinar se estes são passíveis de proteção como marca, ou se são iguais ou similares a marcas anteriores.

É importante dar ênfase ao facto de a doutrina ter evoluído para um guia, e não uma regra absoluta, devendo ser apenas aplicada quando o consumidor comum é levado a parar e a traduzir os dizeres estrangeiros presentes numa marca. Como resultado, a doutrina coloca os consumidores num primeiro plano, com o objetivo de os salvaguardar de eventuais confusões ou enganos provocados pelo uso de marcas com termos em diferentes línguas.

Com efeito, um examinador deverá aplicar a doutrina, tendo em conta o significado corrente para os consumidores relevantes, baseando-se na análise de provas, que incluem, por exemplo, o recurso a dicionários e a Internet. No momento de determinar se o equivalente estrangeiro é aplicável, o examinador deverá considerar três fatores chave:

  1. Tradução para inglês – Literal e Direta

Este primeiro fator é crucial para os Tribunais e para a Câmara de Apelo de modo a determinar se a doutrina deverá ou não ser aplicada. Caso a prova de tradução revele que a tradução para inglês é inequivocamente literal e direta, a doutrina é aplicável.

A título de exemplo, ao comparar a marca em italiano “LUPO”, que assinala roupa interior para homens e rapazes, com a marca em inglês “WOLF”, destina a assinalar diversos tipos de vestuário, o USPTO decidiu aplicar a doutrina, dado que a marca primeiramente referida consistia, de facto, numa tradução literal e direta da marca em inglês “WOLF” (230 USPQ 702 (TTAB 1986)). Para além do mais, a decisão foi reforçada pelo facto de ambas as marcas identificarem produtos semelhantes.

Contrariamente, a doutrina não é geralmente aplicada nos casos em que a prova demonstre que a tradução para inglês não é literal e direta. Como exemplo, ao comparar a marca em espanhol “PALOMA” (cuja primeira aceção em inglês é “pombo”, e segunda aceção “pomba”) com a marca em inglês “DOVE”, o USPTO não aplicou a doutrina, uma vez que os dizeres da marca em espanhol não são a tradução direta (primeira aceção) de “DOVE” (pomba) (6 USPQ2d 1316 (TTAB 1987)).

  1. Línguas Estrangeiras Comuns e Modernas

Este segundo fator é aplicado a palavras ou termos de línguas comuns e modernas, que abrangem todas as línguas à exceção de línguas mortas e raras. Para comprovar este fator, provas como CENSOS, Escritórios de Tradução, a Internet e quaisquer outras fontes digitais ou impressas, deverão ser consideradas pelo examinador.

Neste sentido, por forma a determinar se uma língua é morta ou rara, deveremos basear-nos no significado que a palavra em questão teria para os consumidores relevantes. Para ilustrar este caso, tomando como exemplo o latim, considerado na generalidade como língua morta, caso a prova demonstre que o dado termo ainda é utilizado pelos consumidores, então o latim não deverá ser tido como língua morta, e, consequentemente, a doutrina aplicar-se-á.

  1. Significado Alternativo da Marca e Circunstâncias no Mercado ou no Ambiente Comercial Nas Quais a Marca é Utilizada

Este terceiro e último fator prende-se a outras considerações a ter em conta quando se verifica se se deve ou não aplicar a doutrina. Para além de se centrar na literalidade da tradução para inglês da marca com dizeres estrangeiros, e na sua classificação como língua comum e moderna, o examinador deverá também atentar se o termo estrangeiro tem um significado, no mercado relevante, que difira do significado em inglês; e se é muito ou pouco provável que a expressão estrangeira seja traduzida pelo consumidor devido à forma como esta é encontrada no ambiente comercial.

De uma forma geral, a doutrina não é aplicada se um termo estrangeiro tiver desenvolvido um significado alternativo dentro do mercado relevante que difira do significado da tradução do termo para inglês, e se a prova mostrar que o significado alternativo seria compreendido pelos consumidores.

Para ilustrar este fator, consideremos a marca em francês “CORDON BLEU” (cuja tradução para inglês é “fita azul”) que, no entanto, não seria traduzida nem teria o mesmo significado para o consumidor americano, uma vez que CORDON BLEU remete para uma “cozinha de grande perícia”, de acordo com as entradas dos dicionários americanos.

Para concluir, com o objetivo de reduzir a confusão linguística no processo de registo e de comparação de marcas, os Institutos poderão recorrer a algumas linhas de orientação bastante úteis. De acordo com as que mencionámos acima, dando enfase à doutrina dos equivalentes estrangeiros do USPTO, os examinadores têm acesso a algumas orientações essenciais para atestarem quando devem ou não aplicar a doutrina, nomeadamente, se a tradução para inglês é inequivocamente literal e direta; se a língua estrangeira é comum, moderna e não rara; se a marca tem um significado alternativo, ou, se no mercado relevante ou no ambiente comercial, no qual a marca é utilizada, a tradução é muito ou pouco provável. Posto isto, a decisão do examinador dependerá sempre da prova da tradução. Se o termo estrangeiro tiver um equivalente direto em inglês, então, a doutrina será geralmente aplicada.


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