A importância das patentes no delinear de tendências tecnológicas

Há muito que sabemos que a inovação em geral e a de cariz tecnológico em especial, tem servido de base às organizações, e não só, na criação de vantagens comparativas e competitivas (David Ricardo e Michael Porter, a seu tempo, referiram-nas), que lhes permitem diferenciar-se no mercado. A inovação tem, pois, transformado as sociedades de uma forma inexorável. Neste caminho, as patentes têm exercido e continuarão a exercer (enquanto mantiverem os seus princípios) um papel fundamental na proteção do conhecimento e no estímulo à criatividade industrial.

Muito além da sua função legal de resguardar direitos sobre invenções, as patentes são verdadeiras fontes de informação estratégica. Elas fornecem insights valiosos sobre o que está sendo desenvolvido, por quem, e de certa forma, para onde caminha a fronteira do conhecimento técnico e científico.

Neste contexto, analisar e compreender o universo das patentes torna-se essencial para identificar e até antecipar tendências tecnológicas.

 

O que são patentes e porque são relevantes

Uma patente é um direito exclusivo concedido a um inventor ou requerente sobre uma nova invenção, seja ela um produto ou um processo, por um determinado período - geralmente 20 anos. Em contrapartida, o inventor ou o requerente, deverão divulgar publicamente os detalhes técnicos da invenção, facto que alimenta o corpo de conhecimento disponível à sociedade. Essa troca de exclusividade por “transparência” permite que outras pessoas se inspirem, melhorem ou redirecionem tecnologias a partir do que já foi registado.

As patentes são assim um reflexo direto do que há de mais novo e promissor em termos de inovação. Mostram os primeiros passos das novas tecnologias, muitas vezes antes mesmo da sua adoção pelo mercado. Assim, o acompanhamento e a análise de patentes possibilitam uma visão antecipada das transformações tecnológicas que, de certa forma, moldarão o futuro.

 

Patentes como indicadores de tendências

Uma análise cuidada, até estratégica, de bases de dados de patentes, como o Espacenet, a qual contempla mais de 150 milhões de documentos de patentes, o Google Patents ou o PatentScope (WIPO), permite observar padrões, identificar sectores em crescimento, descobrir áreas de saturação tecnológica e reconhecer os principais líderes em inovação. Algumas das maneiras pelas quais as patentes ajudam a delinear tendências incluem:

  1. Volume de Depósitos: Um aumento súbito no número de patentes em determinado sector (como inteligência artificial, biotecnologia ou energias renováveis) pode sinalizar uma tendência tecnológica em ascensão.
  2.  Geografia da Inovação: A origem geográfica dos depósitos revela onde estão os pólos mais ativos de investigação e desenvolvimento, oferecendo detalhes sobre quais são os principais centros emergentes de inovação. Países como China, Estados Unidos, Japão e Alemanha lideram o ranking de depósitos, sendo pólos importantes de desenvolvimento tecnológico.
  3. Colaborações e Co-invenções: Patentes registadas por múltiplas organizações ou inventores de diferentes países indicam redes globais de desenvolvimento tecnológico e parcerias estratégicas.
  4. Análise de Citações: Patentes frequentemente citadas por outras são indicadoras de alto impacto e podem apontar tecnologias disruptivas ou fundamentais.
  5. Cadeias ou árvores Tecnológicas: Patentes relacionadas a tecnologias complementares ou plataformas (por exemplo, semicondutores que habilitam dispositivos móveis) ajudam a entender a forma como sectores inteiros se vão estruturando.

 

Exemplos de Patentes que serviram de “Termómetro Tecnológico”

A história recente está repleta de casos em que as patentes anteciparam grandes mudanças tecnológicas.

  • A Apple, por exemplo, depositou diversas patentes relacionadas com as inúmeras funcionalidades do iPhone anos antes do seu lançamento em 2007, por exemplo a patente norte-americana US7479949B2, a qual reivindica um ecrã táctil.
  • O mesmo pode ser observado em empresas como a Tesla, que publicou patentes ligadas a baterias e motores elétricos quando os veículos elétricos ainda eram considerados de nicho, como por exemplo a patente norte-americana US2009020346A1 de 2009 que se refere a um sistema de carregamento de baterias para um veículo elétrico.
  • No campo da biotecnologia, a corrida por patentes envolvendo a técnica de edição genómica CRISPR-Cas9 revelou o potencial disruptivo dessa tecnologia muito antes de sua aplicação clínica efetiva.
  • Outro caso emblemático envolve a inteligência artificial. Nos últimos anos, o número de patentes relacionadas com a aprendizagem máquina, redes neurais e processamento de linguagem natural disparou. Empresas como Google, Microsoft, IBM e Baidu lideram esse movimento, sinalizando a centralidade da IA no futuro dos negócios e da sociedade.

 

A Importância para empresas, governos e investigadores

Para empresas, especialmente startups e empresas de base tecnológica, as patentes são tanto uma defesa contra a concorrência quanto um ativo estratégico. Estas podem ser valorizadas, quer por meio de licenciamento, quer usadas como garantia em rounds de financiamento ou até como “ferramenta” de troca em acordos comerciais.

Os governos, sobretudo dos países tecnologicamente mais avançados, por sua vez, utilizam dados de patentes para desenvolver políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação. Ao identificar lacunas tecnológicas ou áreas de excelência, podem orientar investimentos, parcerias público-privadas e incentivos fiscais. Os que não o fazem correm o risco de desperdiçar verbas em I&D obsoleta ou desnecessária.

Os investigadores e as universidades também beneficiam da análise de patentes. Permite não apenas evitar duplicidade de esforços, mas também inspirar novas linhas de investigação baseadas nas tendências mais promissoras.

 

Limitações e Desafios

Apesar de seu valor, a análise de patentes não é isenta de desafios. Muitos registos são redigidos de forma propositalmente ambígua para dificultar a reprodução da invenção por terceiros. Além disso, nem toda inovação é patenteada - algumas são mantidas em segredo industrial, especialmente em sectores onde a velocidade de inovação é mais crítica do que a proteção jurídica.

Outro ponto a considerar é o chamado "patent thicket", ou seja, uma única tecnologia protegida por múltiplas patentes “sobrepostas”, o que dificulta a entrada de novos players no mercado exigindo-lhes acordos de licenciamento para múltiplas patentes.

 

Caminhos para uma análise estratégica

Para extrair valor real das patentes como fonte de informação estratégica, é necessário adotar uma abordagem estruturada que passa sobretudo pelas seguintes etapas:

  1. Mapeamento Tecnológico: Classificar e organizar patentes por categorias técnicas, mercados e níveis de maturidade.
  2. Vigilância Tecnológica: Monitorizar constantemente novos depósitos e atualizações em áreas de interesse.
  3. Mineração de Dados e IA: Utilizar ferramentas de inteligência artificial para extrair padrões e relações ocultas em grandes volumes de dados.
  4. Integração Multidisciplinar: Combinar a análise de patentes com estudos de mercado, publicações científicas e tendências sociais.

 

As patentes não são apenas instrumentos legais de proteção de invenções, mas verdadeiros “guias” no caminho da inovação. Quando analisadas estrategicamente, oferecem um panorama privilegiado das transformações tecnológicas em curso e dos rumos que poderão tomar. Num cenário global cada vez mais competitivo e dinâmico, ignorar o potencial informativo das patentes é abrir mão de uma das mais valiosas ferramentas para antecipar o futuro.

Para empresas, governos, investigadores e investidores, compreender a linguagem das patentes e sua dinâmica é mais do que uma vantagem - é uma necessidade estratégica. E à medida que novas tecnologias como a inteligência artificial, a computação quântica e a biotecnologia se tornam mais complexas, a capacidade de interpretar o que está sendo patenteado será um diferencial decisivo no jogo da inovação.

 

Fontes

WIPO – World Intellectual Property Organization. (2023). World Intellectual Property Indicators. Genebra.

USPTO – United States Patent and Trademark Office. (2024). Patent Statistics Reports. Disponível em: https://www.uspto.gov

OECD. (2022). Measuring Innovation through Patents: A Guide for Policy. Paris.

GASSMANN, O.; BADER, M. A. (2012). Patent Management: Protecting Innovation and Intellectual Property. Springer.

Ricardo, David. On the Principle of Political Economy and Taxation, 1817

PORTER, Michael E., Competition in Global Industries. Harvard, Harvard University Press. 1986


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