Como não registar a sua marca sonora

Trata-se de um novo caso de pedido de registo de marca sonora que ganhou notoriedade nos noticiários e, mais uma vez, foi recusado pela ausência de capacidade distintiva – marcas sonoras são passíveis de registo, mas nem todas.

Ainda que sob argumentos diversos, o Tribunal Geral da União Europeia confirmou a decisão do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (IPIUE), que recusou o pedido de registo da empresa Ardagh Metal Beverage Holdings GmbH & Co. KG.

Recorda-se que esta não é a primeira vez que uma gigante da indústria de bebidas apresenta um pedido de registo de marca com base no som da abertura de uma lata de bebida. Em 2014, a empresa Anheuser-Busch InBev S.A., titular da marca Budweiser, apresentou um pedido de registo de marca sonora neste sentido, o qual foi recusado pelo United States Patent and Trademark Office (USPTO), sob o fundamento de que, praticamente, todas as garrafas e latas de cerveja emitem o mesmo som quando abertas, independentemente do fornecedor. Assim, o requerente da marca não pode reivindicar o exclusivo de um som que é genérico e que, portanto, não cumpre a função essencial da marca que é distinguir a origem de um produto ou um serviço.

No caso ora em apreço, a empresa alemã Ardagh Metal Beverage Holdings GmbH & Co. KG apresentou um pedido de registo de marca que recorda o som que se produz ao abrir uma lata de bebida, seguido de um silêncio de cerca de um segundo e de uma efervescência de cerca de nove segundos. O pedido foi apresentado em junho de 2018 e pretendia assinalar diferentes bebidas, bem como recipientes metálicos para transporte e armazenamento.

 

Argumentos acertados e equivocados do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia e a confirmação da decisão pelo Tribunal Geral da União Europeia

Em sede de exame dos motivos absolutos e relativos de recusa de marca, o IPIUE recusou o pedido de registo da marca da União Europeia n.º 017912475 com base na ausência do caráter distintivo, tendo o requerente da marca respondido à notificação do Instituto, o qual posteriormente manteve seus argumentos e recusou definitivamente o registo da marca sonora para todos os produtos. Entre os argumentos mencionados pelo Instituto da União Europeia, estava o facto de que o som em causa não diferia suficientemente dos sons provocados pela abertura de uma lata ou garrafa provinda de qualquer origem empresarial.

Não satisfeito com a decisão do IPIUE, a empresa requerente da marca apresentou recurso ao Instituto, alegando, nomeadamente, que a marca em apreço tinha o elemento surpresa do intervalo de tempo entre o som da abertura da lata e o som da efervescência da bebida, que o conjunto destes elementos tornavam a marca distintiva e diferente do som usual da abertura de bebidas gaseificadas, que a marca em apreço também se aplicava a produtos que não continham gás carbónico na sua composição e que o grau de atenção dos consumidores destes produtos era elevado.

Na decisão do recurso R 530/2019-2, a Câmara de Recurso do IPIUE manteve a decisão que já havia sido proferida e destacou que uma marca distintiva deve ser avaliada, primeiramente, em relação aos produtos e/ou serviços que pretende identificar e, em segundo lugar, em relação à perceção do sinal pelo público relevante como indicativo de origem comercial. Além disso, referiu que os critérios de distintividade de uma marca devem ser os mesmos independentemente do tipo de marca a ser registada.

Contudo, o órgão de recurso do IPIUE invocou o argumento de que uma marca sonora deveria divergir, de forma significativa, da norma ou dos hábitos do setor dos produtos/serviços a que pretendesse assinalar, para que fosse considerada distintiva.

Conforme referiu o Tribunal Geral da União Europeia, nos autos do processo T‑668/19, interposto pela empresa alemã contra a decisão do IPIUE, o argumento trazido pelo IPIUE refere-se às marcas tridimensionais, as quais são constituídas pela forma do próprio produto ou da sua embalagem quando existe uma norma ou hábitos do setor relativos a essa forma. Assim, na sua decisão o TGUE destacou que esta jurisprudência em relação às marcas tridimensionais não poderia ser aplicada às marcas sonoras, uma vez que as últimas consistem em sinais independentes do aspeto exterior ou da forma dos produtos que assinalam.

Outra conclusão equivocada do IPIUE, segundo o entendimento do TGUE, foi de que nos mercados de bebidas e das respetivas embalagens seria inabitual assinalar a origem comercial de um produto apenas através de sons, sob o fundamento de que esses produtos são silenciosos até serem consumidos, portanto a marca em questão não serviria para orientar a escolha do consumidor por aquele determinado produto.

O Tribunal Geral salientou que a maior parte dos produtos são silenciosos em si mesmos e só produzem um som no momento do seu consumo, portanto o simples facto de um som só poder ser ouvido no momento do consumo de um produto não significa que a utilização de sons para assinalar a origem comercial de um produto num determinado mercado seja inabitual.

 


"(...) a abertura de uma lata ou de uma garrafa é intrínseca a uma solução técnica ligada à manipulação de bebidas com vista ao seu consumo, pelo que tal som não será percecionado como a indicação da origem comercial desses produtos."


 

Ainda que tenha considerado equivocados alguns dos argumentos lançados na decisão do recurso pelo IPIUE, o Tribunal Geral salientou que o raciocínio do Instituto se baseou no importante motivo de que, no caso em questão, o som emitido com a abertura de uma lata foi considerado um elemento puramente técnico e funcional, uma vez que a abertura de uma lata ou de uma garrafa é intrínseca a uma solução técnica ligada à manipulação de bebidas com vista ao seu consumo, pelo que tal som não será percecionado como a indicação da origem comercial desses produtos. Ademais, ambos os órgãos decisores ressaltaram que os elementos sonoros e o silêncio de cerca de um segundo, considerados no seu conjunto, não possuem qualquer característica intrínseca que lhes permita serem percecionados pelo público relevante como uma indicação da origem comercial dos produtos – ou seja – estes elementos não são suficientemente característicos para se distinguirem dos sons comparáveis no domínio das bebidas.

Ademais, o Tribunal Geral afirmou que a falta de fundamentação da Câmara de Recurso do IPIUE sobre a ausência de distintividade da marca em relação aos produtos que podiam não conter gás carbónico não foi suscetível de implicar a anulação da decisão proferida pelo IPIUE, na medida em que estava suficientemente fundamentada no seu conjunto, pelo que a recorrente pôde compreender as justificações da medida tomada a seu respeito e o juiz da União pôde também exercer a sua fiscalização sobre a legalidade da referida decisão.

Assim, apesar de algumas fundamentações equivocadas da Câmara de Recurso, o Tribunal Geral entendeu que as mesmas não tiveram uma influência determinante nas conclusões da decisão, tendo ambos os órgãos concordado quanto à inexistência de caráter distintivo da marca sonora em apreço.

Conclui-se, portanto, que assim como qualquer marca, a marca sonora deve apresentar suficiente capacidade distintiva para identificar os produtos e/ou serviços que se destina a assinalar, não podendo, por exemplo, descrever o tipo, a qualidade e outras características associadas a estes produtos e/ou serviços.

Neste caso a marca sonora foi considerada não distintiva em decorrência do seu caráter descritivo, mas também existem outros casos em que uma marca pode ser considerada não distintiva.  Em relação às marcas sonoras, podem assim ser consideradas por serem compostas por peças musicais muito simples, com uma ou duas notas, por sons que sejam do domínio público, por sons que sejam demasiado longos para serem considerados como uma indicação de origem empresarial ou por sons tipicamente associados a produtos e serviços específicos.

Entre esses motivos de recusa, destaca-se o curioso caso da marca sonora “TUDUM” da Netflix, o qual foi objeto de pedido de registo de marca sonora em junho de 2018 e foi recusado pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia, por ausência de capacidade distintiva. Neste caso, a Netflix interpôs recurso da decisão, mas acabou desistindo do processo e retirando o pedido de registo da marca sonora, essencialmente em razão da complexidade que seria comprovar que a marca em questão adquiriu capacidade distintiva pelo seu uso – um tema interessante que fica para o próximo artigo!


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