Depósito de um documento de prioridade em Portugal

O Código da Propriedade Industrial (CPI) de Portugal pode proporcionar formas interessantes para um requerente depositar um documento de prioridade no país e subsequentemente depositar pedidos de patentes no estrangeiro com base no referido documento de prioridade.

O CPI oferece aos utilizadores do sistema de patentes duas modalidades de pedidosFin de patentes, nomeadamente um pedido provisório de patente (PPP) e um pedido nacional de patente (PNP).

O documento de prioridade é o primeiro documento de patente relacionado com uma invenção que foi apresentado em um Instituto de Patentes e a data de depósito do documento de prioridade define o estado da técnica dos pedidos de patente que reivindicam o referido documento de prioridade. Para depositar um pedido de patente em outros países relacionados com a mesma invenção, o depósito do pedido de patente no estrangeiro deve ser feito no prazo de 12 meses a contar da data de depósito do documento de prioridade. O estado da técnica constitui todas as publicações anteriores à data de prioridade e que podem ser usadas pelos Institutos de Patentes para eventualmente serem apresentadas objeções contra o cumprimento dos requisitos de patenteabilidade novidade e atividade inventiva pela invenção.

A internacionalização de um primeiro pedido de patente apresentado em Portugal (PPP ou PNP) pode ser feito por meio da União de Paris (UP) e/ou por meio do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT). A União de Paris significa a apresentação de pedidos correspondentes no estrangeiro em até 12 meses após o primeiro pedido apresentado em Portugal, em que os pedidos de patentes são submetidos nos idiomas oficiais dos Institutos estrangeiros. O PCT significa a apresentação de um pedido correspondente em língua inglesa à Organização Mundial da Propriedade Industrial (OMPI), em que, para o caso dos requerentes de Portugal, o Instituto Europeu de Patentes (European Patent Office – EPO) fará um relatório de pesquisa ao estado da técnica e uma opinião sobre a patenteabilidade. Por esta via, o requerente possui até 30 ou 31 meses para avançar com os pedidos de patente definitivos nos países ou regiões de interesse.

Este artigo pretende abordar as vantagens para os utilizadores do sistema de patentes ao dar início a uma família de patentes em Portugal, incluindo alguns aspetos a considerar quando o requerente opta pela via do PPP.

 

Vantagens em depositar um PNP

Um PNP deve ser depositado em português e atender aos requisitos formais de um pedido de patente, em que a taxa oficial de depósito é 109,07€. De acordo com o nº1 do artigo 68º do CPI, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial de Portugal (INPI) elabora um relatório de pesquisa e um parecer escrito sobre a patenteabilidade no prazo de 10 meses após o depósito do PNP, podendo este relatório, não-vinculativo, ser útil ao requerente relativamente à decisão sobre o depósito de pedidos de patentes correspondentes no estrangeiro.

A data de depósito de um PNP estabelece o prazo de 12 meses para a internacionalização de pedidos de patente correspondentes no estrangeiro, reivindicando-se como documento de prioridade o PNP.

 

Vantagens em depositar um PPP

Um PPP pode ser de extrema utilidade para requerentes que queiram assegurar uma data de prioridade para as suas invenções o mais rápido possível.

Um PPP pode ser depositado perante o INPI em português ou inglês. Assim, aos requerentes que queiram depositar as patentes correspondentes no estrangeiro reivindicando como prioridade o PPP, é possível evitar custos relacionados com traduções do português para o inglês.

Esta possibilidade é útil quando o requerente pretende depositar um pedido de patente internacional no prazo de 12 meses a contar da data de depósito do PPP, beneficiando do PCT ou, quando dentro do mesmo prazo, o requerente pretende depositar pedidos de patentes em jurisdições que tenham o inglês como língua oficial, como o Instituto de Patentes e Marcas dos Estados Unidos (USPTO) ou o EPO.

A taxa de depósito de um PPP é relativamente baixa (65,45€), considerando-se barato dar início a uma família de patentes em Portugal, sendo o referido PPP o documento de prioridade que dará origem à família de patentes. A título de comparação, as taxas oficiais para o depósito de um primeiro pedido de patente no EPO iniciam nos 1.470€

Importa referir que em Portugal, para depositar um pedido de patente internacional PCT ou depositar um pedido de patente diretamente junto do EPO, não é necessário proceder à conversão do PPP em PNP. Ou seja, é possível abandonar o PPP e evitar ou adiar custos na tradução de inglês para o português, caso o PPP tenha sido depositado em inglês.

Outra vantagem do PPP em Portugal prende-se com o facto do relatório descritivo depositado junto do INPI não necessitar de preencher os requisitos formais de um PNP nem de incluir reivindicações. Além disso, oferece a possibilidade de depositar desenhos coloridos ou feitos à mão, que por sua vez não são aceites por intermédio de um PNP.

Outros institutos, como o USPTO, também oferecem a possibilidade de depositar um PPP, mas o CPI proporciona uma vantagem significativa para o requerente de um PPP em Portugal, que não é assegurada através de um depósito equivalente no USPTO.

De acordo com o nº5 do artigo 63º do CPI, o requerente pode solicitar que o INPI elabore um relatório de pesquisa ao estado da técnica, o qual é encaminhado ao requerente no prazo de 10 meses após o depósito do PPP.

O relatório de pesquisa assemelha-se a um Relatório de Pesquisa Internacional de um pedido PCT, identificando os documentos do estado da técnica utilizando o mesmo sistema de codificação usado pelas Autoridades Internacionais de Pesquisa do PCT, ou seja, identificando claramente os documentos do estado da técnica que podem ser relevantes para levantar objeções contra a novidade e/ou atividade inventiva.

Deste modo, o relatório de pesquisa de um PPP depositado em Portugal pode ser utilizado como um contributo relevante para o requerente na decisão de proceder ao depósito dos respetivos pedidos de patente no estrangeiro.

Caso o requerente tenha interesse em proteger a sua invenção em Portugal, existem três possibilidades para fazê-lo:

  1. Converter o PPP em um PNP num prazo de 12 meses após a apresentação do PPP. O texto do pedido a ser apresentado no requerimento da conversão deve atender aos requisitos formais de um PNP, incluindo-se estar traduzido para o português;
  2. Caso opte pelo sistema PCT, o requerente pode abandonar o PPP em Portugal e entrar na fase nacional do PCT em Portugal em até 30 meses a contar da data de apresentação do PPP, sendo que o texto do pedido deve ser traduzido para o português;
  3. Caso opte por depositar o pedido no EPO, o requerente pode abandonar o PPP em Portugal e depositar um pedido no EPO em até 12 meses após a data de apresentação do PPP ou entrar na fase regional do PCT no EPO em até 31 meses a contar da data de apresentação do PPP. Em caso de concessão da patente Europeia, esta pode ser validada em Portugal em até 3 meses após a concessão, devendo o texto da patente Europeia ser traduzido para o português.

 

A figura 1 apresenta um sumário do processamento de um PPP e de um PNP, além das suas respetivas internacionalizações:

Figura 1.

 

Desvantagens e precauções de um PPP

O requerente de um PPP que pretenda convertê-lo em um PNP em Portugal deve estar consciente de que o PPP deve ser convertido num prazo de 12 meses após o depósito do PPP. A especificações do PPP devem ainda ser editadas de forma adequada para atender aos requisitos formais de um PNP.

De acordo com o CPI, um aspeto importante deve ser tido em conta aquando do processo de conversão do PPP em Portugal, e que está relacionado com a inadmissibilidade de adição de matéria no pedido de patente. A adição de matéria compreende a inclusão de novas características técnicas que não estavam presentes no texto original do PPP.

Caso o requerente inclua alguma nova característica técnica ao converter um PPP em um PNP, o INPI notificará o requerente de que essa nova característica técnica deve ser excluídas para evitar a recusa da conversão requerida e do próprio PNP. Além disso, de acordo com o CPI, um pedido de patente português não pode reivindicar como documento de prioridade outro pedido de patente português, seja um PPP ou um PNP.

Portanto, o requerente deve ter o cuidado de incluir todas as características técnicas da invenção no texto do PPP. De qualquer modo, é possível considerar que a recusa de um PNP durante a conversão de um PPP, com base em elementos adicionados, é uma deficiência do CPI, que prejudica sobretudo os requerentes nacionais.

A inclusão de uma nova característica técnica é verificada pelo INPI aquando da análise do ato de conversão do PPP em um PNP. De qualquer forma, seria adequado e justo para o requerente que a nova característica técnica, eventualmente adicionada, recebesse uma nova data de prioridade, correspondente à data em que o requerimento de conversão foi apresentado, e que a tramitação do pedido de PNP prosseguisse para a fase de exame substantivo.

Este constrangimento do CPI, no que diz respeito à conversão de um PPP em um PNP, não leva em conta o desenvolvimento de uma invenção durante os primeiros 12 meses após o depósito do PPP, período em que os inventores desenvolvem, por vezes, outras formas de realização ou variantes da solução original ao fazer novas experiências ou concretizar protótipos da invenção.

Considerando um exemplo hipotético, um inventor desenvolve uma composição farmacêutica para o tratamento de uma doença específica, na qual a referida composição compreende uma molécula específica como princípio ativo (API 1) e um excipiente específico (E), em que este último promove uma biodisponibilidade inesperada do API 1 no tecido alvo do organismo. 

Após o depósito de um PPP, o inventor prossegue com mais testes experimentais e conclui que a invenção funciona adequadamente com outro API (API 2), que é estreitamente relacionado do ponto de vista químico e farmacêutico com o API 1. Posteriormente, ao requerer o ato de conversão do PPP, o inventor apresenta as seguintes reivindicações:

  1. Uma composição farmacêutica caracterizada por compreender API 1 e E;
  2. Uma composição farmacêutica caracterizada por compreender API 2 e E;

 

O INPI considerará que elemento da reivindicação número 2 está relacionado a uma nova característica técnica e notificará o requerente para excluí-la dos cadernos do pedido de patente. O requerente terá de remover as referidas novas características técnicas relacionadas com o API 2 para evitar que o PNP seja recusado e terá de depositar um segundo PPP ou PNP relacionado apenas com a variante que contempla o API 2.

Esta situação faria duplicar os custos para o requerente, considerando as taxas oficiais, incluindo as taxas de renovação dos dois PNPs.

Esta disposição legal do CPI é inconveniente para o requerente que pretende proteger invenções em Portugal. Por outro lado, regressando ao nosso exemplo, se o PPP tiver apenas o elemento da reivindicação 1, e o requerente depositar um pedido de patente internacional PCT, dentro de 12 meses, compreendendo as reivindicações 1 e 2, o EPO, atuando como Autoridade Internacional de Pesquisa, detetaria que a reivindicação 2 é uma característica técnica nova, mas não recusaria o pedido PCT.

Em vez disso, o EPO consideraria que a reivindicação 2 tem uma data de prioridade diferente, que corresponderia à data de depósito do PCT, e a pesquisa ao estado da técnica e o exame do cumprimento dos requisitos de patenteabilidade prosseguiria normalmente.

Posteriormente, o pedido PCT poderia entrar em fase nacional em Portugal e o referido pedido de patente nacional seria concedido para ambas as reivindicações 1 e 2, caso fossem consideradas novas e inventivas.

Em alternativa, o pedido PCT poderia se apresentado na fase regional do EPO e, após a concessão de patente europeia, ser validada em Portugal. Assim, a proibição de acrescentar novas características técnicas a um PPP em Portugal pode resultar em caminhos contraditórios e diversos para o requerente do ponto de vista do CPI, considerando se a tramitação do pedido de patente ocorre apenas em Portugal ou no estrangeiro.

 

Conclusões

O depósito de um primeiro pedido de patente em Portugal pode consistir uma abordagem interessante caso o requerente pretenda depositar subsequentemente os respetivos pedidos de patente correspondentes no estrangeiro. O INPI permite o depósito de um PNP ou de um PPP, ambos com taxas oficiais baratas, e garante um relatório de pesquisa ao estado da técnica em até 10 meses após o depósito do primeiro pedido de patente em Portugal, que poderá ser útil na tomada de decisão para avançar com pedidos de patente no estrangeiro. Em relação ao PPP, este pode ser depositado em inglês, e o seu texto pode ser utilizado para preparar e depositar pedidos de patente junto do USPTO ou do EPO, por exemplo, evitando custos em traduções.

Por outro lado, o requerente que pretenda proteger uma invenção apenas em Portugal, deve estar consciente de que não é possível adicionar novas características técnicas aos cadernos do pedido de patente ao converter um PPP em um PNP.

 

Este é um artigo co-publicado originalmenente em inglês na World Intellectual Property Review (WIPR).


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