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É possível registar marcas religiosas em Angola?

Can religious trademarks be protected in Angola?

Embora os textos religiosos não façam referência à Propriedade Intelectual (PI), as religiões estão ligadas a esta matéria.

De maneira mais evidente, a influência das religiões sobre a propriedade intelectual manifesta-se desde a discussão e aprovação de leis até o registo e uso de marcas. De forma mais sutil, percebe-se um deslocamento da religião para o campo das marcas por meio do consumismo.

Assim como as religiões, marcas conhecidas como Coca-Cola e McDonald’s tornaram-se estruturas ideológicas que moldam as nossas formas de ser e agir, ocupando o espaço antes preenchido pelas principais religiões em um mundo onde a influência religiosa perdeu força.

O presente artigo centrar-se-á nas influências mais evidentes das religiões sobre a PI, em particular sobre as marcas, em Angola. A marca das religiões na legislação de PI de países laicos como Angola não é evidente (I). Contudo, esta questão surge quando se observa o aumento do número de pedidos de marcas religiosas no país (II), questão que, em certa medida, é tratada pelo Instituto Angolano da Propriedade Industrial (III).

 

I. A influência das religiões na legislação aplicável em Angola

O artigo 6.º da Convenção de Paris, aplicável em Angola, estabelece fundamentos absolutos para recusa do registo de marcas, mas não faz referência específica a sinais religiosos. De igual modo, a lei angolana de PI (Lei n.º 3/92, de 28 de Fevereiro, sobre a Propriedade Industrial) proíbe, no seu artigo 35.º, alínea c), o registo, sem a devida autorização, de marcas que contenham “símbolos como insígnias, bandeiras, brasões ou sinais oficiais adoptados pelo Estado, comissariados, organizações internacionais ou quaisquer outras entidades públicas”, sem mencionar explicitamente os sinais religiosos.

Angola é um Estado laico (artigo 10.º, n.º 1, da Constituição), governado, desde 1975, por governos inspirados no marxismo e no comunismo, o que pode explicar parcialmente a omissão da lei e o reduzido interesse dos legisladores de PI pela questão. Com efeito, em países onde a religião ocupa um lugar mais proeminente, a questão dos sinais religiosos é expressamente tratada na legislação de PI, como acontece nos Emirados Árabes Unidos e na Índia.

Não obstante, para além dos factores políticos e sociais, a omissão da legislação angolana pode parecer lógica se considerarmos os seguintes pontos de vista:

  1. As marcas estão intimamente ligadas ao comércio, mas as religiões nem sempre, na sua essência, se enquadram no âmbito comercial;
  2. Os sinais religiosos não cumprem, frequentemente, os requisitos de distintividade;
  3. Os sinais religiosos podem não respeitar os requisitos de “moral” ou “ordem pública”;
  4. Os sinais religiosos são, geralmente, símbolos adotados por organizações internacionais ou entidades públicas, estando, portanto, necessariamente excluídos do registo.

Apesar destas considerações, a questão da proteção das marcas religiosas surge quando se observa o aumento do número de pedidos de registo destas marcas no país, acompanhando a proliferação de confissões religiosas, essencialmente o radicalismo evangélico. Tendo em conta que o artigo 10.º, n.º 3, da Constituição estabelece que “O Estado protege as igrejas e confissões religiosas e os seus locais e objectos de culto”, qual é, ou deverá ser, a actuação do Estado, em particular do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), a este respeito?

 

II. Contexto nacional

Existem actualmente dezenas de marcas religiosas em Angola, concedidas e pendentes, relacionadas com diversas classes de produtos e serviços.

A classe mais frequente associada a estas marcas é a classe 41, relativa a serviços culturais e educacionais, seguida das classes 35 e 25. Tal suscita as seguintes questões:

  1. Podem os representantes de religiões prestar serviços de educação sem pôr em causa o princípio da laicidade consagrado na Constituição?
  2. Deverá considerar-se que o registo de marcas religiosas para produtos incluídos nas classes 35 e 25 viola preceitos religiosos e, consequentemente, os artigos 10.º da Constituição que impõe ao Estado a proteção das igrejas e confissões religiosas e 35.º, alínea f), da Lei da PI que estabelece o conceito jurídico de bons costumes e ordem pública se os requerentes visam apenas o lucro?
  3. Deve ser concedido o registo de uma marca religiosa se os requerentes procurarem obter lucros aproveitando-se da boa-fé gerada por sinais religiosos, induzindo os consumidores em erro, à luz do artigo 35.º, alínea a), da Lei da PI, que proíbe o registo de marcas que contenham “indicações falsas ou susceptíveis de induzir o público em erro quanto à natureza, características ou utilidade dos produtos ou serviços a que a marca se destina”?
  4. Devem os nomes e sinais religiosos ser considerados nomes e sinais comuns e, por essa razão, não distintivos e pertencentes ao domínio público, conforme o artigo 31.º da Lei da PI? Ou poderá um sinal religioso adquirir carácter distintivo através do seu uso no comércio e perder a sua característica religiosa, como sucede, por exemplo, com “NIRVANA”, marca registada em todo o mundo?
  5. Finalmente, devem ser concedidas marcas religiosas tendo em conta que, se os símbolos religiosos forem registados como marcas, o seu titular obterá o direito exclusivo de os utilizar?

Embora estas questões pudessem ser irrelevantes se se aceitasse, sem reservas, que os sinais religiosos são símbolos adotados por organizações internacionais e entidades públicas, e, portanto, excluídos do registo ao abrigo do artigo 35.º, alínea c), entendemos que, para lhes responder, é necessário considerar as motivações subjacentes a cada pedido de registo e decidir caso a caso, sob pena de se incorrer em abusos ou ingerências indevidas na esfera íntima de cada requerente.

 

III. A abordagem do Instituto da Propriedade Industrial

Ao analisar os dados públicos de Angola, nota-se que o INPI concede marcas religiosas, independentemente da classe e dos produtos ou serviços, sem ter em consideração o motivo dos pedidos.

Por exemplo, a marca “IGREJA EVANGÉLICA BAPTISTA EM ANGOLA - I.E.B.A” (verbal e figurativa) foi concedida para as classes 24 e 25. A marca “IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS” (verbal e figurativa) está registada na classe 41. A marca “IGREJA DO NOSSO SENHOR JESUS CRISTO NO MUNDO” (verbal) encontra-se registada nas classes 25, 26, 35, 41 e 45.

Assim, deve concluir-se que o INPI tende a aceitar marcas religiosas, salvo em casos de violação grave da legislação de PI ou de imitação de uma marca anterior.

Parece que o INPI entende que, uma vez que a lei não o proíbe expressamente, as marcas religiosas podem ser concedidas. O comércio é religiosamente neutro e podemos supor que, embora a comercialização da religião seja uma realidade crescente, o INPI considera que não lhe cabe julgar a sua legitimidade.

Como as marcas religiosas podem, efetivamente, ferir a sensibilidade religiosa de determinadas comunidades, o INPI parece entender que estas comunidades deverão opor-se ao registo dessas marcas aquando da sua publicação. Em outras palavras, o INPI angolano aparenta considerar que a religião deve permanecer numa esfera privada.

 

Versão traduzida de um artigo originalmente publicado na revista The Trademark Lawyer (Edição 4 – 2022).