Marcas olfativas: é possível representar o cheiro?

As marcas são cada vez mais importantes para os produtores e igualmente para os consumidores. Para além das marcas tradicionais, assistimos atualmente ao desenvolvimento de marcas não tradicionais, como é o caso das marcas olfativas.

O recente desenvolvimento das marcas olfativas suscita muitas questões legais, que estão a ser estudadas e implementadas em diferentes países. Os sistemas legais em matéria de concessão de marcas olfativas conduziram a diferentes soluções. Nos EUA, é possível o registo de marcas olfativas. Temos como exemplo disso o odor da plasticina da Play-Doh que foi registada como marca olfativa. Na União Europeia, apesar de já ter sido abolida a exigência de representação gráfica da marca olfativa, mas tendo de ser cumpridos os critérios da jurisprudência Sieckmann, continua a não ser possível registar marcas olfativas, estando atualmente em análise essa matéria. A jurisprudência tem um papel muito relevante nesta questão, sendo que na União Europeia o registo das marcas olfativas depende da verificação dos critérios Sieckmann e nos EUA foi a jurisprudência Qualitex, mais permissiva que a Sieckmann, que veio permitir o registo de marcas não tradicionais. Neste artigo analisa-se as principais vantagens e desvantagens da marca olfativa e ainda possíveis soluções para uma generalização do seu uso.

 

O que é uma marca olfativa?

Esta é caracterizada por sensações obtidas através dos cheiros que podem estar presentes em lojas, escritórios ou até mesmo em certos produtos.

Através dos cheiros podemos reconhecer e até mesmo associar a origem do produto ou serviço que está a ser comercializado. O cheiro serve como fonte de identificação da empresa, e não como uma característica do produto em si.

É considerada como uma fragrância única concebida por profissionais que tem em conta os valores e características da marca, e pode ser utilizada como uma possibilidade de se diferenciar no mercado para reforçar a identidade da marca.

De acordo com o “BrandTrends Journal” (Abril 2019) as marcas Olfativas estão divididas em três categorias:

 

- Primárias - surgem como o odor principal de uma fragância, em perfumes os ambientadores. O odor perfumado é a razão principal pela qual adquirimos o produto;

- Secundárias - aquelas em que o odor confere um atributo aos produtos, temos o exemplo dos shampoos e sabonetes;

Exclusivas - o odor é uma adição a produtos que normalmente não têm odor, como por exemplo o lápis.

 

São nomeadamente odores únicos que estão ligados a produtos sem cheiro e que podem atrair o nosso reconhecimento e preencher o caráter distintivo de uma marca.

Para poder ser registada a marca olfativa tem de ter caráter distintivo e, conforme a legislação, ser representada graficamente ou sob forma adequada, desde que seja identificada de forma clara e precisa.

 

Marca Olfativa na União Europeia

Quando se trata de representar uma marca olfativa, podemos perguntar-nos: um cheiro é apreciado por todos da mesma forma? É duradouro?

Temos o caso Sieckmann, relativa à intenção de registar um cheiro na Alemanha e que foi uma referência nesta matéria, ao aceitar que as marcas possam ser sinais não visíveis, como cheiros ou sons, contudo esse pedido de registo foi rejeitado com base no argumento da dificuldade de representação gráfica. O Tribunal de Justiça da União Europeia e o EUIPO tiveram sempre uma interpretação bastante restritiva quanto à aceitação da possibilidade de concessão de uma marca sem a correspondente representação gráfica. Sieckmann definiu que, para registar uma marca olfativa, será necessário que um sinal seja claro (não ambíguo), preciso (por exemplo, uma cor não pode simplesmente ser descrita como “roxo”), autónomo (por exemplo, notas de música), facilmente acessível (por exemplo, a base de dados internacional Pantone), inteligível, duradouro (a representação gráfica deve permanecer consistente) e objetivo. Na verdade, quando se trata de marcas olfativas, a jurisprudência Sieckmann não é contra o seu registo  de per se, afirmando que não é necessário que um sinal seja percebido visualmente, desde que possa ser representado grafi camente. O Tribunal decidiu que as fórmulas químicas não podem ser registadas, porque representam uma substância e não o odor por ela libertado; e através de uma descrição foi dito que não era considerado objetivo. Assim, neste momento, há o problema de como representá-lo.

Nas "Diretrizes sobre marcas registadas" do EUIPO, a sua relutância em conceder registo pode ser observada:

"Atualmente, as marcas olfativas não são aceitáveis, porque a representação deve ser clara, precisa, autónoma, facilmente acessível, inteligível, duradoura e objetiva (Artigo 3(1) da EUTMIR) e o atual estado da tecnologia não permite a representação deste tipo de marcas com estas condições. Além disso, a EUEMIR não reconhece a apresentação de amostras ou espécimes como uma representação adequada. A descrição de uma marca não pode substituir a representação, porque a descrição de um cheiro ou gosto não é clara, precisa nem objetiva [12/12/2002, C-273/00, Sieckmann e 04/08/2003, R 120/2001-2]. Consequentemente, qualquer pedido de marca olfativa não será tratado como um pedido de marca comunitária (será considerado "não depositado") pelo Instituto, uma vez que não seria elegível para uma data de depósito".

Até ao presente, apenas houve um registo desta categoria, a marca com a descrição “The smell of fresh cut grass” , para “bolas de ténis” que foi concedida pelo EUIPO mas que caducou, por não ter sido renovado.

 

O novo Código da Propriedade Industrial e as Marcas Não-tradicionais

O novo Código da Propriedade Industrial trouxe algumas mudanças significativas, entre as quais o resultado da transposição da Diretiva (EU) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Dezembro de 2015 que aproxima os Estados-membros em matéria de marcas.

Atualmente não é possível a representação duradoura de uma marca olfativa, mas devido ao progresso tecnológico poderá vir a acontecer num futuro próximo. Os consumidores têm de ser capazes de distinguir o cheiro que compõe a marca registada mas por vezes isso não é possível, visto cada um ter perceções diferentes do mesmo cheiro.

 

Como será publicado este tipo de marca?

A falta de percetibilidade visual de um cheiro torna díficil o seu registo, devido às dificuldades de se passar para o papel as sensações olfativas.

É importante referir que a marca registada deve ser facilmente captada por quem for realizar pesquisas nas bases de dados oficiais do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Conclui-se então que apesar de a reforma legislativa ter eliminado o requisito da representação gráfica, a representação da marca olfativa continua a ser problemática. A representação gráfica deixou de ser um requisito com o Código da Propriedade Industrial de 2018 e normas da UE correspondentes.

O aroma pode ser um elemento muito subjetivo, sendo difícil percebermos todos o mesmo cheiro. Cada ser humano tem a capacidade de distinguir mais de 10 mil aromas. Portanto, ainda que o problema da representação da marca olfativa seja resolvido pela técnica, o problema da capacidade distintiva manter-se-á.


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