Marcas: Quando a solidariedade não beneficia o uso sério

Miguel Bibe 7 de novembro de 2022

O processo de registo de uma marca pode ser considerado um processo moroso e demasiado longo, sobretudo quando os produtores precisam de lançar rapidamente os seus produtos no mercado e ainda não têm as suas marcas devidamente registadas. No entanto, de forma a contornar esta situação, é prática comum entre os produtores dos Açores (sobretudo de vinhos) recorrerem à solidariedade de outros produtores locais que já têm marcas registadas e que não se encontram a ser usadas.

Foi o caso da marca de vinhos “Rola Pipa” que, apesar de existir há algum tempo e pertencer à cooperativa do Pico, a Pico Wines, não estava a ser usada por esta entidade. Por outro lado, a Adega do Vulcão (produtores do Faial e Pico) precisavam de vender o seu vinho e não detinham um registo de marca próprio. Como tal, a Pico Wines cedeu o uso da sua marca “Rola Pipa” à Adega do Vulcão de forma a permitir que esta pudesse escoar a sua produção sob esta marca.

 


"Tal não significa que esta solidariedade entre os produtos locais deixe de existir, contudo,  os proprietários das marcas devem ter em mente os requisitos do uso sério e sempre que permitam a utilização destas da parte de terceiros, sobretudo com um período de tempo superior a cinco anos (...)"


 

Apesar de, atualmente, a marca “Rola Pipa”  estar a ser novamente usada pelo seu titular (Pico Wines), existem vários casos idênticos do uso das marcas da parte de terceiros que, apesar de louváveis do ponto de vista da solidariedade, de acordo com a legislação e a jurisprudência em Portugal, poderão suscitar problemas quanto ao requisito do uso das marcas e resultar na caducidade destas.

A legislação aplicável prevê que as marcas registadas que não sejam usadas (uso sério) durante um período superior a cinco anos consecutivos poderão ser sujeitas a um pedido de caducidade, por parte de qualquer interessado.

Se numa primeira análise, a ideia de que o acto solidário do uso da marca detida por um outro produtor e usada para possibilitar a venda do seu produto de forma célere, poderá fortalecer o espírito de entreajuda entre os produtores locais, também seria benéfico para os proprietários das marcas que esta “parceria” entre produtores fosse um contributo para provar o uso da marca e evitar possíveis pedidos de caducidade por não uso da parte de terceiros.

Contudo, esta ideia fica dissipada após uma análise ao artigo 267.º nº 1 a) do Código da Propriedade Industrial, o qual estabelece que “O uso da marca (...) feito pelo titular do registo, ou por seu licenciado, com licença devidamente averbada (...)” verificando assim que o simples facto de um titular de uma marca permitir que outra entidade use esta para os mesmos produtos não será suficiente para demonstrar o uso sério da sua marca.

Aliás, o Tribunal da Relação de Lisboa no Acordão Proc. N.º 241/15.6YHLSB.LT, relativamente à prova de uso da marca através de licenciado, considerou expressamente que, ainda que haja licença, se a mesma não estiver averbada junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), não se considera que a marca esteja a ser usada, pois a licença não é oponível a terceiros.

Como tal não será suficiente que entre o proprietário da marca e a entidade que se encontra a usar a mesma exista um acordo escrito, ou muito menos um simples consentimento informal, que permita o uso da marca, sendo que será necessário que este acordo seja averbado junto do INPI de forma a que a marca preencha os requisitos do uso sério.

No caso concreto dos produtores de vinho açorianos, será aconselhável a não permissão do uso das suas marcas da parte de outros produtores locais, de forma a evitar que um possível terceiro interessado apresente um pedido de caducidade com base no não uso da marca de forma séria por um período superior a cinco anos consecutivos e resultar num consequente cancelamento do registo das suas marcas.

Tal não significa que esta solidariedade entre os produtos locais deixe de existir, contudo,  os proprietários das marcas devem ter em mente os requisitos do uso sério e sempre que permitam a utilização destas da parte de terceiros, sobretudo com um período de tempo superior a cinco anos, procedam com o respectivo averbamento de licença do uso da marca junto do INPI, sendo que o processo de averbamento é consideravelmente mais rápido de ficar concluido do que o registo de marcas.


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