A Cor Laranja da Veuve Clicquot e a capacidade distintiva

A emblemática cor laranja da Veuve Clicquot tem sido objeto de uma longa disputa legal que culminou com a recente decisão do Tribunal Geral da União Europeia de considerar insuficientes as provas apresentadas sobre a aquisição distintiva da marca de cor na União Europeia. Esta decisão, ocorrida em 6 de março de 2024, parece ser o início do capítulo final de um embate que se estende desde 2015, quando a Lidl Stiftung & Co. KG apresentou um pedido de nulidade da marca.

Em primeiro lugar, é importante destacar que em casos de litígio contra uma marca concedida com base na aquisição de distintividade, os motivos absolutos de recusa devem ser reavaliados, mesmo que o registo tenha sido concedido há muitos anos.

A recente decisão recaiu sobre a capacidade de representação gráfica da cor e sobre as provas apresentadas quanto à aquisição distintiva na Grécia, em Portugal e na Irlanda.

O caso em questão está disposto do julgamento do Tribunal Geral, caso Lidl Stiftung v EUIPO - MHCS (Nuance de la couleur orange) (T-652/22).

 

A Cor Laranja como Marca de Veuve Clicquot

Em 1998, a Veuve Clicquot Ponsardin registou uma marca de cor para a tonalidade específica de laranja associada ao seu champanhe, uma cor que se tornou um símbolo inconfundível da marca. A cor foi registada na classe 33, que abrange "champagne wines". A decisão inicial, em 2006, reconheceu que a cor laranja “Veuve Clicquot” havia adquirido caráter distintivo através do uso, o que permitiu à marca obter a proteção legal.

A proteção de cores como marcas registadas é um tema complexo, pois uma cor, em si, não possui caráter distintivo inerente e deve demonstrar que adquiriu essa distintividade através do seu uso no mercado. A Veuve Clicquot, com a sua tradição e presença marcante no mercado de champanhe, conseguiu inicialmente provar que o público identificava a cor laranja como marca.

 

A Disputa sobre a aquisição do caráter distintivo

A disputa começou em 2015, quando a empresa Lidl Stiftung & Co. KG submeteu um pedido de declaração de invalidade da marca de cor laranja registada pela Veuve Clicquot Ponsardin, atual MHCS. A Lidl argumentou que a cor não cumpria os requisitos estabelecidos para uma marca de cor, incluindo a exigência de uma representação gráfica precisa e clara, conforme estipulado no Acórdão do caso Sieckmann. Tanto o Instituto de Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) como a Câmara de Recurso rejeitaram o pedido de invalidade, ao sustentar que a cor laranja havia adquirido caráter distintivo e que a descrição da cor era suficientemente clara e precisa para garantir a proteção como marca registada.

No entanto, a Lidl recorreu da decisão e, entre decisões e recursos, o Acórdão mais recente reforça os requisitos estabelecidos para a análise da aquisição de caráter distintivo de um sinal.

 

A Decisão mais recente do Tribunal Geral

Em março de 2024, o Tribunal Geral da União Europeia decidiu pela nulidade da decisão da Câmara de Recurso. A decisão foi baseada na argumentação de que a descrição da cor e a sua amostra não atendiam aos requisitos de precisão e durabilidade necessários para uma marca de cor, conforme os princípios estabelecidos no caso Sieckmann. O Tribunal Geral também concluiu que a prova de que a cor havia adquirido caráter distintivo através do uso não era suficiente para justificar a sua proteção em toda a União Europeia.

 

A Proteção de Marcas de Cor e as evidências de aquisição distintiva nos Estados Membros da União Europeia

O caso Sieckmann (C-273/00), estabeleceu critérios para a representação gráfica de marcas não convencionais, incluindo marcas de cores. Segundo a decisão do caso, a representação deve ser clara, precisa, autónoma, facilmente acessível, inteligível, duradoura e objetiva.

Segundo as alegações da Lidl, a descrição da cor laranja da Veuve Clicquot não atendeu plenamente a esses requisitos e utilizou como fundamento o acórdão do caso Libertel (C-104/01).

Sobre este fundamento, o Tribunal Geral considerou que a questão de saber se uma descrição verbal de uma cor satisfaz as condições do acórdão Sieckmann deve ser avaliada à luz das circunstâncias de cada caso individual. Neste caso, concluiu que uma amostra de uma cor, combinada com uma descrição em palavras dessa cor, pode, portanto, constituir uma representação gráfica na aceção do artigo 2.º da Directiva 89/104, desde que a descrição seja clara, precisa, autónoma, facilmente acessível, inteligível e objetivo.

Ainda, ao analisar as alegações, o Tribunal Geral concluiu que o acórdão do caso Libertel estabeleceu-se a partir da análise de uma amostra da cor impressa em papel, e portanto, esta deteriorar-se-ia com o tempo.

Esta não era a situação do presente caso. No processo relacionado à cor laranja da Veuve Clicquot, a amostra foi submetida em forma digital, e não sofreria a deterioração da amostra física em papel. Portanto, a amostra submetida foi considerada suficiente, nos termos do artigo 4.º do Regulamento (CE) nº 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993 (Regulamento aplicado ao caso, à época da sua submissão).

Quanto à alegação sobre a insuficiência de elementos de prova para os Estados Membros da União Europeia, nomeadamente Irlanda, à Grécia, ao Luxemburgo e a Portugal, as evidências passaram por novo exame. Como resultado, o Tribunal Geral entendeu ser insuficiente o material apresentado em Portugal e na Grécia, por não estar demonstrado que o público percebia a cor como um sinal de proveniência comercial.

A decisão relacionada à marca de cor laranja da Veuve Clicquot levanta questões importantes sobre a proteção de marcas não convencionais, como cores, e os critérios necessários para garantir essa proteção.

No que se refere ao pedido de invalidade da marca, é importante reforçar que as evidências sobre a aquisição distintiva podem ser avaliadas tendo em consideração dois marcos principais: a data da submissão do pedido de registo ou a data do pedido de invalidade do sinal.

Neste sentido, o titular da marca pode apresentar novas evidências, de maneira a demonstrar que à época do pedido de invalidade o sinal adquiriu distintividade por meio do uso.

O advogado Marcel Pemsel argumenta sobre a necessidade de apresentar novas evidências, pois a demonstração do caráter distintivo adquirido em qualquer uma das datas resulta na rejeição do pedido de invalidade.

A decisão do Tribunal Geral reforça um precedente importante para futuras disputas sobre marcas de cor. O caso foi remetido à Câmara de Recurso, que deverá avaliar a aquisição distintiva do sinal através do uso, entre a data do registo e o pedido de declaração de invalidade da marca.


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