O real impacto da Inteligência Artificial (AI) nos diversos ramos do direito ainda é, em grande parte, desconhecido. Contudo, como vem referido no Relatório do Parlamento Europeu que contém recomendações à Comissão sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica (v. 015/2103(INL)), ninguém duvida que a presente Revolução Industrial “não deixará nenhuma camada da sociedade intacta”, sendo por isso importante que se “pondere as suas implicações e efeitos a nível jurídico e ético, sem colocar entraves à inovação” (v. p. 3, B).
O Direito da Propriedade Intelectual (PI) é um dos ramos do Direito onde a Revolução 4.0, liderada pela AI, tem gerado mais questões. De entre as várias problemáticas, existe uma de particular relevância: a proteção das obras geradas por Inteligência Artificial.
O impacto comercial é inegável. Em todo o mundo, a AI já está a ser utilizada para produzir obras literárias, musicais, jornalísticas ou artísticas.
É conhecido o recente caso do artista português Leonel Moura, que concebeu um robô que cria obras artísticas, sendo que uma delas foi vendida em leilão por 5 mil euros. Lá fora, é sobejamente conhecido o caso da obra de arte denominada “O Próximo Rembrandt”, criada através de inteligência artificial, que utilizou algoritmos para identificar os padrões geométricos do pintor seiscentista Rembrandt van Rijn. O objetivo seria recriar uma pintura do Rembrandt, se fosse realizada pelo mesmo.
Perante este cenário, a questão que se coloca agora é a de saber se estas obras poderão ser protegidas por direitos de autor, dado que o contributo humano é mínimo ou mesmo inexistente.
Esta questão não é totalmente nova. De facto, a mesma iniciou-se em meados do século XX, com as denominadas obras geradas por computador. À medida que os computadores foram sendo introduzidos como instrumentos de auxílio no processo criativo do ser humano, esta problemática foi-se colocando com cada vez mais acuidade. Não obstante, a maior parte dos casos respeitantes a obras geradas por computador, mais do que a ausência total de contributo criativo humano, estavam relacionados com a dificuldade em identificar o contributo do autor, embora este existisse.
Ora, o problema com que nos deparamos atualmente é diferente: a AI permite a criação de obras onde não existe qualquer contributo humano para o processo criativo, ou, pelo menos, o mesmo não é suficiente para que possamos afirmar que o requisito da originalidade, exigido para a proteção deste tipo de obras, está preenchido.
Se olharmos para as diversas ordens jurídicas, algumas preveem, especificamente, a proteção de obras geradas por computador, como é o caso, a título de exemplo, do Reino Unido, da Índia ou da Irlanda. O regime jurídico do Reino Unido, pela sua completude, é muitas vezes apontado como uma alternativa viável a ser transposta para outras ordens jurídicas.
A secção 178 do Copyright, Designs and Patents Act, define as obras geradas por computador como aquelas “generated by computer in circumstances such that there is no human author of the work”, definindo que a sua autoria deverá ser atribuída às pessoas “by whom the arrangements necessary for the creation of the work are undertaken” (secção 9(3)).
Ainda que não tenhamos a oportunidade de, no presente texto, nos alongarmos com a devida extensão sobre este assunto, sempre diríamos que nos parece difícil a sua transposição para ordens jurídicas como a portuguesa, ligadas à tradição do Droit d’Auteur, uma vez que a criação terá de ser fruto de um esforço do intelecto humano.
O entendimento que tem vindo a ser sufragado pelo TJUE parece impedir, igualmente, qualquer solução semelhante à do Reino Unido, uma vez que se tem exigido o “toque pessoal” do autor (v. Processo C‑145/10), bem como margem para “liberdade criativa” (v. processo C‑604/10), para que a obra seja protegida por direitos de autor.
Adicionalmente, teremos de questionar se a proteção de obras geradas por AI cumpre as razões que fundamentam a existência de direitos de Propriedade Intelectual. A resposta parece ser negativa, uma vez que não existe esforço intelectual humano a ser premiado.
Em suma, diríamos que, não estando preenchido o critério de originalidade exigido em ordens jurídicas como a portuguesa, nem sendo produzida legislação ad hoc para o efeito (como, por exemplo, o direito especial do fabricante de bases de dados), as obras criadas por AI deverão ser consideradas como pertencendo ao domínio público, não obstante existirem outros mecanismos que possam ser utilizados na tutela deste tipo de obras, como é o caso do instituto da concorrência desleal.
Lista de Territórios
Não existem resultados para a sua pesquisa.