A pandemia causada pelo COVID-19 (SARS-COV-2) está a completar um ano desde que as medidas sanitárias mais abrangentes de combate ao vírus começaram a ser tomadas. Esforços intensivos de desenvolvimento de novos princípios ativos, métodos de tratamento e vacinas vêm sendo efetuados pela comunidade científica e pelas farmacêuticas.
As primeiras vacinas
O esforço técnico e científico tem levado à desenvolvimento de diversas vacinas de combate ao SARS-COV-2, fabricadas por diversas tecnologias, tais como as vacinas de vírus inativado, como a desenvolvida pelas empresas chinesas Sinovac e Sinopharm; as vacinas de ARN mensageiro, como por exemplo os produtos desenvolvidos pela Pfizer/Biotech e pela Moderna; as vacinas de vetor viral não replicante, tal como a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford/AstraZeneca, a vacina da Johnson & Johnson e a vacina Sputnik V do Instituto de Pesquisas Gamaleya; ou as vacinas de subunidade proteica, tal como a da Novavax.
Os resultados e o lançamento de novas vacinas são acompanhados com óbvio interesse pelo grande público. Neste estudo, apresenta-se a fase atual de pedidos de patente publicados referentes a princípios ativos, medicamentos e vacinas para o combate ao SARS-COV-2, além dos principais requerentes envolvidos.
Para identificar os pedidos de patente publicados a partir de 2020, foi utilizada a base de dados do Espacenet, recorrendo a palavras-chaves relacionadas com o SARS-COV-2 e através das classificações de patentes referentes aos campos tecnológicos dos tipos de medicamentos. As classificações de patentes consistem em códigos de indexação atribuídos pelos Institutos de Patentes e específicos por tecnologia, que podem ser usados como filtros de pesquisa na base de dados. Portanto, neste estudo utilizamos as classificações de patentes visualizadas na tabela 1.
Tabela 1 - Classificações de patentes pesquisadas
Assim, após a pesquisa pelos símbolos da IPC e pelas palavras-chaves na base de dados do Espacenet, chegamos aos resultados apresentados na figura 1. É visível uma preponderância de preparações medicinais relacionadas com os princípios ativos onde estão incluídos compostos químicos orgânicos e preparações medicinais incluindo antígenos e anticorpos. Apesar das frentes de pesquisa com compostos químicos orgânicos parecerem ter sido exploradas, essas tecnologias ainda não se materializaram num medicamento efetivamente aprovado pelas agências regulatórias de saúde pública. Aliás, as principais tecnologias previamente mencionadas e relacionadas ao preparo de vacinas contra o SARS-COV-2 enquadram-se no símbolo da IPC A61K39.
Os dados da figura 1 apontam para um total de 166 pedidos de patente, contudo um mesmo documento de patente pode ser classificado em mais de um símbolo da IPC. Logo, o número de pedidos de patente relacionados com o conjunto total de símbolos da IPC listados na tabela 1 é 140 pedidos de patente publicados desde o dia 1 de janeiro de 2020.
Figura 1- Pedidos de patente conforme as principais tecnologias de preparações medicinais
Uma análise mais pormenorizada ao conjunto de 140 pedidos de patentes permite identificar uma ampla dispersão de requerentes, confirmando assim que múltiplas organizações estão a empenhar-se numa solução técnica efetiva contra o vírus. No ranking abaixo apresentado, encontram-se os 20 principais requerentes dos 140 pedidos de patente em questão, sendo que todos os requerentes, à exceção das 5º e 6º posições, são organizações domiciliadas na China.
Tabela 2 - Principais Requerentes
No seguimento dos requerentes identificados, conseguimos individualizar os países de origem dos requerentes desse conjunto de pedidos, onde podemos observar um predomínio de requerentes chineses.
Tabela 3 - Número de pedidos de patente por país
Conforme observado na figura 2, os requerentes dos pedidos de patente publicados até o momento são predominantemente institutos de pesquisa ou universidades.
Figura 2 - Principais tipos de requerentes
Quando se observam os requerentes dos pedidos de patente publicados até o momento, nota-se que as grandes farmacêuticas e a maior parte das organizações que já viram as suas vacinas aprovadas pelos órgãos reguladores não estão presentes na listagem.
Embora possa parecer estranho à partida, isto significa que, até à data, estas organizações ainda não tiveram os seus pedidos de patente publicados. Uma das hipóteses mais prováveis é que estas organizações queiram explorar ao máximo a vantagem competitiva do segredo de suas tecnologias, dado que o sistema de patentes garante um sigilo de até 18 meses, caso seja de interesse do requerente. Assim, o número real de pedidos de patente apresentados será significativamente mais elevado do que o identificado neste estudo.
Por outro lado, os requerentes dos pedidos de patente publicados até ao momento (e presentes neste estudo) podem ter adotado outras estratégias: ao requererem nos Institutos de Patentes a publicação antecipada dos seus pedidos de patente, visam por exemplo a divulgação mais abrangente das suas tecnologias em períodos críticos de controlo da pandemia, além de conseguirem uma maior visibilidade para angariar investimentos ou estabelecer parcerias técnicas.
Sputnik V (Gam-COVID-Vac), a vacina russa
No conjunto de documentos de patente publicados até o momento, chama-se a atenção para as patentes concedidas em que o requerente é o Gamaleya Research Institute of Epidemiology and Microbiology, o instituto responsável pelo desenvolvimento da vacina Sputnik V, e que recebeu um certificado de registo do Ministério da Saúde da Rússia. Esta vacina tem como base os vetores adenovírus rAd26 e rAd5, os quais promovem a entrega dos antígenos ao corpo humano, a fim de propiciar a resposta imunológica. Até o momento existem três patentes russas relacionadas com a vacina Sputnik V (RU2720614C1, RU2731342C1 e RU2731356C1). A patente russa RU2720614C1 já foi internacionalizada por intermédio do pedido WO2021002776A1 e futuramente deve ser requerida proteção por patente noutros países. Os pedidos de patente russos identificados neste estudo foram concedidos rapidamente, com base num programa de aceleração de exame instituído pelo Instituto de Patentes da Rússia (Rospatent) para invenções relacionadas com o combate à pandemia. De acordo com dados do Rospatent, o tempo médio para a decisão sobre a concessão de um pedido de patente no âmbito do referido programa é de sensivelmente 22 dias. Este tempo necessário para a decisão é muito reduzido, considerando que em condições normais, quando não há mecanismos de aceleração de exame, um pedido de patente pode levar entre 2 a 4 anos para ser decidido.
Com base nesta análise, surgem algumas questões:
Qual será a estratégia de internacionalização para os 140 pedidos de patente publicados até ao momento? Esta questão é derivada do facto de os requerentes terem até 12 meses, após a data do primeiro pedido apresentado, para apresentarem os seus pedidos de patente noutros países.
Deste conjunto de pedidos, quantas patentes serão concedidas? Esta questão baseia-se nas regras do sistema de patentes, em que uma patente somente é concedida quando a invenção cumpre os requisitos de patenteabilidade, nomeadamente aplicação industrial, novidade e atividade inventiva.
E quantos medicamentos aprovados pelos órgãos sanitários chegarão efetivamente ao mercado? Neste ponto ressalta-se que o sistema de patentes é desvinculado do sistema de vigilância sanitária e a concessão de uma patente não necessariamente indica que o produto será aprovado como um medicamento.
De que forma a proteção de um medicamento por patente pode influenciar no acesso ao mesmo? Embora a proteção de uma tecnologia por patente conceda ao seu titular o direito de impedir que terceiros possam explorá-la, num contexto pandémico, o interesse público torna-se mais importante do que a exclusividade de exploração. Assim, na ausência de um acordo entre o governo do país e o referido titular da patente, as Leis de patentes de diversos países (no caso de Portugal, o Código da Propriedade Industrial) permitem solicitar uma licença obrigatória da patente, a qual resulta da obrigação do titular da patente a conceder a licença para a exploração da invenção por motivo de interesse público.
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