A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), proclamada em 1948, marca uma irrupção do indivíduo e dos seus direitos na esfera das relações internacionais, até à data resguardados pela soberania dos Estados.
Aspirando a consagrar direitos “universais”, a DUDH atribui à educação um valor da mais alta importância. Com efeito, a DUDH, no preâmbulo e no artigo 26, identifica a educação como um meio para que possa ser atingido o ideal comum de respeito e aplicação e promoção dos direitos e liberdades nela reconhecidos. Consagra igualmente, no artigo 26, o direito à educação como um direito fundamental do Homem.
Para que este ideal seja atingido, os Estados devem, de acordo com a DUDH, garantir o direito de todos em participar livremente na vida cultural, científica e artística da comunidade, bem como proteger as produções científicas, literárias e artísticas das quais são autores.
Todavia, face ao ideal defendido, subsiste uma realidade bem diferente. Não há equívoco de que existem diferenças reais no acesso à educação, à liberdade de expressão e ao usufruto dos benefícios do progresso científico e respetivas aplicações.
Múltiplos estudos, realizados por instituições internacionais tais como a ONU, identificaram os Direitos de Propriedade Intelectual como parcialmente responsáveis pela existência de uma diferença entre “information-rich” e “information-poor”, em razão da exclusão que originam. Assim, revelou-se indispensável, uma abordagem da gestão da Propriedade Intelectual, que tivesse em consideração o desenvolvimento humano e os direitos fundamentais.
Neste contexto, o modelo do Acesso Aberto, na gestão dos direitos de autor, emergiu como o modelo mais apropriado para promover a educação através do acesso à informação e ao conteúdo criativo.
Em aplicação do referido modelo, são disponibilizadas online obras de natureza intelectual, tais como materiais educativos e de investigação, sem quaisquer custos.
Este assenta, essencialmente, no consentimento dos titulares dos direitos de autor, que atribuem a todos os utilizadores, sob a condição de atribuição de autoria, uma licença livre para utilizar as suas obras, com, no entanto, algumas restrições no que diz respeito à transmissão e distribuição pública. Beneficia, igualmente, do facto de que os direitos de autor serem limitados no tempo.
O modelo de Acesso Aberto seduziu muitos países, nomeadamente dos continentes asiático e africano, que conhecem dificuldades em garantir o acesso de todos à educação e à informação, e nos quais a partilha do conhecimento permanece uma preocupação.
Algumas iniciativas bem-sucedidas ou promissoras têm sido postas em prática por países africanos, onde o modelo de Acesso Aberto ganhou, nos últimos anos, grande visibilidade. Optámos por expor dois casos que ilustram estas iniciativas: uma a nível nacional - o SABER em Moçambique -, a segunda a nível regional - a Iniciativa de Recursos Educativos Abertos (OER) desenvolvida pela Universidade Virtual Africana (UVA).
1. Moçambique – SABER
SABER é um repositório compartilhado, inaugurado em 2009, com o apoio do Ministério da Educação de Moçambique e financiado pelo Banco Mundial, que oferece um ponto de entrada único para o acesso à investigação produzida no país.
O repositório contém artigos de jornais, documentos de conferências, teses e dissertações, de seis instituições do ensino superior moçambicanas: a Universidade Pedagógica, a Universidade Eduardo Mondlane, o Centro de Formação Jurídica e Judiciária, a Universidade Politécnica, a Universidade São Tomé de Moçambique e o Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique.
O SABER, além de aumentar a visibilidade de obras e garantir a sua preservação a longo prazo, revela-se uma ótima forma de promover uma alteração do status quo dos moçambicanos, que deixam de ser simples consumidores de conhecimento, e passam a contribuir para o seu desenvolvimento.
Desde a sua criação, não foram identificadas quaisquer infrações, em termos de direitos de propriedade intelectual e mais particularmente de direitos de autor. De facto, cada instituição participante tem o direito de publicar o conteúdo das dissertações e teses. Dado que a maioria desse conteúdo nunca foi publicado, as possibilidades de disputas relacionadas com direitos de autor é reduzida.
É, no entanto, digno de nota que o website do SABER faz uma menção a “todos os direitos reservados”, o que levanta a questão de o repositório SABER ser, efetivamente, um repositório de Acesso Aberto, ou de apenas seguir os princípios do Acesso Aberto, mas não constituir um modelo de gestão de direitos de autor.
2. Regional – Universidade Virtual Africana (UVA), Iniciativa de Recursos Educativos Abertos (OER)
A UVA é uma Organização Intergovernamental Pan-Africana, criada com o intuito de melhorar, de forma significativa, o acesso ao ensino superior e à formação de qualidade, através de uma utilização inovadora de tecnologias de comunicação de informação. A UVA, cujos membros são o Quénia, o Senegal, a Mauritânia, o Mali e a Costa do Marfim, tem a sua sede em Nairobi, no Quénia, e um escritório regional em Dakar, no Senegal.
A UVA criou, em 2005, um projeto multinacional, financiado pelo Banco Africano de Desenvolvimento e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no âmbito do qual a UVA desenvolveu quatro Bacharelatos: em Matemática, Física, Química e Biologia. Participaram no projeto 12 universidades, 146 autores e revisores de 10 países de língua inglesa, francesa e portuguesa. No total, foram desenvolvidos 73 módulos compostos por 46 de Matemática e Ciências, 4 de Habilidades Básicas em Tecnologias de Informação e Comunicação, 19 cursos profissionalizantes de Educação de Professores e 4 relacionados com a integração das tecnologias de informação e comunicação na educação e nas respetivas áreas.
Em 2010, a UVA começou a desenvolver o repositório de Recursos Educativos Abertos, com o apoio financeiro do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD).
O repositório, denominado OER@UVA e criado com o recurso a tecnologias e plataformas de software de código aberto, destina-se a servir como uma plataforma na qual Recursos Educativos Abertos em áreas como a Matemática, a Biologia, a Física, a Química e a Educação são partilhados através do Programa Multinacional de Educação de Professores da UVA.
O repositório serve, ainda, de plataforma para os educadores, que podem utilizar, modificar e contribuir com a coleção da UVA, ao disponibilizar os seus recursos educativos a outros.
Os objetivos da iniciativa OER@UVA são de facilitar a participação de África na criação, organização, partilha e utilização de Recursos Educativos Abertos, lidar com questões relacionadas com a relevância dos Recursos Educativos Abertos no contexto africano, responder aos desafios tecnológicos e permitir que as instituições participem, de forma ativa, ao guiar e liderar o processo, tanto no que respeita à forma como ao conteúdo, estrutura e orientação.
Os materiais no site da OER@UVA requerem uma licença creative commons, em virtude da qual os materiais educativos podem ser copiados, distribuídos, transmitidos, adaptados e utilizados comercialmente, desde que haja atribuição autoral adequada e desde que os materiais alterados, reformulados ou novos, a partir dos materiais originais, sejam partilhados nos mesmos termos.
A OER@UVA parecemos ter uma política clara de direitos de autor de acesso aberto, apresentando-se como um verdadeiro modelo de gestão de direitos de autor.
Não obstante, não podemos concluir destas duas experiências, ou de todas as experiências semelhantes, que o modelo de Acesso Aberto no setor da Educação responde satisfatoriamente aos desafios que o desenvolvimento humano e os direitos humanos constituem, tanto em termos de sustentabilidade como em termos de eficácia. Isto é particularmente verdade no que se refere aos países em vias de desenvolvimento, onde o impacto do Acesso Aberto ainda está a ser observado e analisado.
Em nosso entender, o crescente interesse manifestado pelos governos e instituições, no Acesso Aberto como um modelo para a gestão de direitos de autor em recursos de Educação, constituiu um progresso significativo e positivo para o desenvolvimento humano.
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