A patenteabilidade da tecnologia "blockchain" na Europa

Introdução

A tecnologia blockchain ganhou notoriedade global quando, no fim de 2017, o valor da criptomoeda Bitcoin alcançou o valor de $ 20.000. É usualmente aceite que esta tecnologia surgiu em 2008 e que foi criada por Satoshi Nakamoto, nome fictício de uma pessoa ou de um conjunto de pessoas, sendo implementada em 2009 como componente nuclear da Bitcoin.

Embora tenha sido o exuberante crescimento do mercado das cryptomoedas a captar a atenção das pessoas e empresas para a blockchain, esta tecnologia tem potenciais aplicações que não se limitam àquele mercado.

Esta tecnologia é usada em áreas como serviços financeiros - para gestão de ativos, a propósito do processamento e liquidação de negócios; para seguros, em relação ao processamento de créditos de seguros; sistemas de pagamentos, especialmente, pagamentos além-fronteiras -, propriedade inteligente – área estreitamente ligada à internet das coisas -, contratos inteligentes – para uso na área da saúde, indústria musical e até para sistemas de votação.

Mas em que consiste esta tecnologia?

 

O que é a blockchain?

Essencialmente, esta tecnologia consiste numa cadeia de blocos, consistindo cada bloco numa página de registo (ledger page) ou estrutura de dados ou ficheiro. O software em que se baseia esta tecnologia permite a transmissão e validação de informação através dos vários blocos da cadeia, que são encriptados. Os blocos são verificados por diferentes participantes da cadeia e são armazenados de forma descentralizada. Por esta razão, a manipulação de um dos blocos é possível mas facilmente verificada por outros participantes.

Como acontece com todas as tecnologias, grande parte das entidades que contribuem para o avanço desta tecnologia procuram proteger as suas criações. O objetivo deste artigo é ponderar a patenteabilidade da tecnologia blockchain na Europa.

 

 

A patenteabilidade dos programas de computador na Europa

A blockchain é uma tecnologia baseada em software. Os programas de computador surgem na alínea d) do n.º 2 do art. 52º da Convenção sobre a Patente Europeia, de 1973, como matéria que não pode constituir uma invenção. No entanto, em 2005, o Instituto Europeu de Patentes (IEP) tinha já concedido mais de trinta mil patentes relacionadas com programas de computador e, atualmente, as invenções implementadas por computador são o objeto de aproximadamente 35 % dos pedidos de patente europeia.

 A justificação reside na norma prevista no nº 3 do referido artigo, que prevê que os programas de computador, bem como todas as matérias previstas no mesmo n.º 2, não serão excluídos da patenteabilidade a não ser que «o pedido de patente europeia ou a patente europeia se refira a um desses elementos considerado como tal».

A determinação dos limites da patenteabilidade das invenções implementadas por computador na Europa resulta, essencialmente, das decisões das Câmaras Técnicas de Recurso (CTR) do IEP e da interpretação naquelas fixada, das normas relevantes.

Embora as decisões das CRT não sejam vinculativas para além da instância em que são proferidas, elas são tomadas como guia pelos examinadores e por outras CRT.

Em mais de 30 anos de decisões as CRT não conseguiram encontrar um critério claro para distinguir os programas de computador patenteáveis dos outros. A evolução do critério de patenteabilidade, que teve início com o caso T 208/84 VICOM - Invenção relacionada com computador, de 15 de Julho de 1986, não alcançou mais do que um conjunto de indícios e exemplos de programas de computador pateteáveis.

Apenas invenções podem ser protegidas por patentes europeias, sendo uma invenção uma solução técnica para um problema técnico. Partindo desta premissa o EPO distingue o software “como tal”, excluído da proteção, através da ausência de carácter técnico. Com a conclusão de que todo o software é técnico, o IEP determinou que um programa de computador só não será excluído da proteção se produzir um efeito técnico adicional. No entanto, não existe definição de efeito técnico adicional. Existem os tais indícios e exemplos.

Como indícios e /ou exemplos de programas de computador técnicos, não excluídos de proteção, são usualmente apresentados os que implementam ou asseguram:

- o controlo de valores de um processo técnico que afeta a eficiência ou a segurança;

- aumentar a velocidade de processamento da CPU;

- aumentar a velocidade de comunicação entre telefones móveis;

- diminuir o consumo de energia;

- diminuir o uso da memória de determinado dispositivo;

- assegurar a segurança de transmissão de informação (encriptação de informação).

Por outro lado, são apontados como programas de computador não técnicos, excluídos de proteção, os que que implementem ou permitam:

- métodos de vendas, negócios, e de contabilidade ou esquemas de seguros;

- métodos de administração de negócios

- métodos matemáticos;

- regras para esquema de leilão;

- efeitos estéticos de música ou vídeo.

 

A blockchain é patenteável na Europa?

Como qualquer outro objeto que envolva software a tecnologia blockchain poderá ser objeto de patente europeia desde que estejamos perante uma solução técnica para um problema técnico. Se o que for reivindicado tratar-se exclusivamente de um software, um efeito técnico adicional terá de ser encontrado.

Olhando para os indícios apresentados no ponto anterior não é difícil fazer corresponder esta tecnologia aos dois grupos de indícios / exemplos de software patenteável ou não.

Podem ser apresentados como exemplos de tecnologia blockchain não patenteável, um software que implemente*:

- um serviço de reserva através de pagamento;

- um método de documentação do tempo de um pagamento.

Por outro lado, podem ser apontados como exemplos de software blockchain patenteável, o:

- que implemente um método de aumentar a segurança na partilha de uma chave de encriptação / desencriptação;

- que melhore a segurança de transações;

- que melhora a segurança de transações em tempo real;

- que deteta eventos maliciosos numa blockchain.

A resposta à questão é então positiva: a tecnologia blockchain pode ser objeto de patente europeia.

Vejamos de que modo isto é confirmado pela prática do IEP.

 

O panorama de patentes europeias relacionadas com a tecnologia blockchain

Para termos uma impressão do panorama de patentes europeias relacionadas com a tecnologia blockchain realizámos uma pesquisa no European Patent Register procurando as seguintes palavras-chave no título: “blockchain”, “cryptocurrency”, “bitcoin”, “distributed ledger” e “smart contract”. A pesquisa foi realizada para patentes concedidas ou publicadas desde 2015.

Em 2017 foram identificadas 14 publicações de pedidos de patente europeia relacionados com tecnologia blockchain - EP3249599; EP3257191; EP3259725; EP3257002; EP3259724; EP3193299; EP3125489; EP3247070; EP3213189; EP3198783; EP3198539; EP3226169; EP3226165; EP3167419 - e em 2018, até ao momento, foram já publicados 13 pedidos - EP3285248; EP3320505; EP3298565; EP3298564; EP3298550; EP3298572; EP3292484; EP3278287; EP3271824; EP3295350; EP3295362; EP3295349; EP3265985.

Destes 27 procedimentos de patente europeia identificámos apenas duas concessões: em 2017, a EP3125489 - MITIGATING BLOCKCHAIN ATTACK e em 2018 a EP3257191 - REGISTRY AND AUTOMATED MANAGEMENT METHOD FOR BLOCKCHAIN-ENFORCED SMART CONTRACTS. Os restantes pedidos ainda não foram examinados, pelo que não identificámos qualquer pedido recusado.

As primeiras reivindicações das patentes europeias concedidas consistem em:

EP3125489 – “1 - A computer implemented method for detecting malicious events occurring with respect to a blockchain data structure comprising:

defining (402) a transaction creation profile according to which transactions can be generated and submitted to the blockchain;

submitting (404) a transaction to the blockchain, the transaction causing the generation of a profiler data structure in the blockchain including executable code to generate profile transactions to be submitted to the blockchain according to the transaction creation profile;

monitoring (406) the blockchain to identify profile transactions; and comparing (408) identified profile transactions with the transaction creation profile to detect a deviation from the transaction creation profile, such detection (410) corresponding to a malicious event occurring with respect to the blockchain.”

 

EP3257191 – “1 - A computer-implemented method of controlling the visibility and/or performance of a contract, the method comprising the steps:

(a) storing a contract on or in a computer-based repository;

(b) broadcasting a transaction to a blockchain, the transaction comprising:

i) at least one unspent output (UTXO); and

ii) metadata comprising an identifier indicative of the location where the contract is stored;

(c) interpreting the contract as open or valid until the unspent output (UTXO) is spent on the blockchain;

and

(d) renewing or rolling the contract on by:

generating a new key using data relating to a previous key associated with the contract;

generating a script comprising the new key, the location of the contract and a hash of the contract; and

paying an amount of currency to the script.”

Os resultados desta pesquisa demonstram que a prática do IEP confirma que a tecnologia blockchain é patenteável na Europa.

 

Conclusão

A resposta à questão “é a tecnologia blockchain patenteável na Europa?” deve ser, como na maioria das respostas a questões jurídicas: depende. Depende de o objeto cuja proteção por patente é pretendida poder ser considerada uma invenção, ou seja, uma solução técnica para um problema técnico. Tratando-se de software, um efeito técnico adicional deverá ser encontrado, sendo indícios desse efeito técnico, por exemplo, o aumento da segurança na partilha de uma chave de encriptação / desencriptação, o aumento da segurança de transações, nomeadamente, transações em tempo real, ou a deteção de eventos maliciosos numa blockchain. A prática do IEP confirma a patenteabilidade de invenções relacionadas com a tecnologia blockchain na medida em é possível identificar pelo menos duas patentes europeias concedidas nesta área da tecnologia.

 

*(Luc De Vos, EPO, New frontiers in Patentability: where do we stand?, julho 2017, disponível em https://euipo.europa.eu/knowledge/pluginfile.php/81787/mod_resource/content/4/Alicante%20CII%20final%20EPO-1.pdf )

 


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