Marcas vs. Nomes de Domínio

Sistema de nomes de domínio

Hoje em dia, para acedermos ao site de uma determinada marca, basta-nos escrever o nome no browser, para que sejamos remetidos, de imediato, para o site pretendido. A ligação ao site opera-se através da inserção do nome da marca, que remete para o site que se pretende consultar. O nome de domínio é, portanto, aquilo que digitamos na internet, para que sejamos conduzidos aos sites que queremos aceder.

Embora este mecanismo pareça, à nossa vista, relativamente simples, a verdade é que o sistema se encontra desenhado para que possa ser user friendly. Por trás desta simplicidade, encontra-se um sistema um pouco mais complexo.

O sistema de ligações entre computadores foi concebido nos anos 80, por Jonathan Bruce Postel e J. Reynolds, e previu que, a cada ligação de um computador à rede fosse atribuído um código de identificação único – IP address – composto por uma sequência de 4 números entre 0 e 255 (por exemplo 123.105.34.66). Para aceder à informação de um determinado servidor, ou seja, para aceder a um determinado site, era necessário, antes da criação do sistema dos nomes de domínio (DNS), digitar a sequência de números do computador que albergava a informação, para que fôssemos remetidos para o site que pretendíamos consultar.

Este sistema, no entanto, é de difícil memorização, razão pela qual foi criado um sistema paralelo: o sistema dos nomes de domínio. 

Os nomes de domínio são, portanto, endereços alfabéticos ou alfanuméricos atribuídos a certos serviços (sites, email, webservices, etc.) armazenados em computadores acessíveis através da internet. O sistema dos nomes de domínio trata-se, por isso, de um sistema paralelo de correspondência de números numéricos (IP adresses) a alfanuméricos (DNS) que permite a troca de informação com o computador ao qual se pretende aceder. Quer isto dizer que, qualquer pessoa que utilize a internet, não precisa de memorizar e digitar sequências de números, mas tão-somente, o endereço alfabético ou alfanumérico correspondente, de forma a ser encaminhada para o computador que alberga a informação e onde pode consultar o site ou serviço pretendido.

 

Tipos de nomes de domínio

Existem, atualmente, vários tipos de nomes de domínio, a saber:

  • Os domínios de topo ou nível superior (generic top level domains, relativos ao tipo de atividade exercida ou informação disponibilizada nos determinados sites (exemplos: o domínio .com para sites com atividades de âmbito comercial; o domínio .org para sites de organizações sem fins lucrativos;o domínio .info para sites de carácter informativo);
  • Os domínios geográficos, relativos ao espaço geográfico com o qual o site se relaciona (exemplos: .pt trata-se do domínio de topo geográfico de Portugal; .eu do domínio de topo geográfico da União Europeia);
  • Os domínios de segundo nível, que são aqueles que podem ser registados sob um qualquer nome de domínio de topo ou nível superior (exemplo: ulisboa.pt). Pode haver ainda subdomínios dos domínios de segundo nível (fd.ulisboa.pt).

 

Registo de nomes de domínios

A titularidade de um determinado nome de domínio opera através da celebração de um contrato entre o utilizador e o registar, que disponibiliza o nome de domínio pretendido. Este registo é processado pelas entidades incumbidas para o efeito (registars - entidades públicas ou privadas), que detêm estas funções por contrato com a autoridade de topo da hierarquia da gestão dos recursos da internet, a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), uma pessoa coletiva sem fins lucrativos que supervisiona o funcionamento do sistema DNS. A ICANN nomeia e acredita as entidades responsáveis pela atribuição de nomes de domínio.

Em Portugal, a entidade competente foi, até 2013, a Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN), uma instituição privada sem fins lucrativos que, desde 1991, atribuía e geria os nomes de domínio .pt. Atualmente, a entidade privada responsável pela gestão, registo e manutenção do domínio .pt é a DNS.pt, constituída em 2013.

No escopo das suas funções, a DNS.pt aprovou, em 2014, as Regras de Registo de Nomes de Domínio de .PT, de acordo com o depósito legal n.º 376640/14 (Regulamento DNS.PT), que regulam a gestão, o registo e a manutenção do nome de domínio .pt e os seus subdomínios.

 

Princípios do registo do nome de domínio

O registo de um determinado nome de domínio encontra-se sujeito a dois princípios fundamentais, designadamente o princípio do first come first served, que determina que o registo é feito em nome daquele que primeiro apresentar o pedido e o princípio da unicidade, que prevê que cada nome de domínio de segundo nível só pode ser registado uma vez sob um nome de domínio de topo.

A par destas regras, o regulamento DNS.pt determina outras regras a que o registo dos nomes de domínio estão sujeitos. Neste âmbito, não serão passíveis de registar como nome de domínio:

a) as palavras ou expressões contrárias à lei, à ordem pública ou bons costumes;

b) qualquer domínio de topo da internet, existente ou em vias de criação;

c) nomes que induzam em erro ou confusão sobre a sua titularidade, nomeadamente por coincidirem com marcas notórias ou de prestígio pertencentes a outrem.

O titular de um nome de domínio tem ainda a obrigação de garantir que o nome registado e a sua titularidade não colidem com direitos constituídos de terceiros, como é o caso de uma marca, por exemplo.

 

Comparação entre nomes de domínios e marcas

Tem-se qualificado o nome de domínio como o mais importante sinal distintivo do espaço virtual, devido à sua ubiquidade e visibilidade; porque há liberdade na sua escolha; porque o seu registo confere um pretenso “exclusivo” derivado da imperativa unicidade; e ainda porque o seu uso principal e primordial está afeto a uma atividade mercantil (estabelecimento virtual).

Pelas razões acima apontadas, é muito frequente comparar o nome de domínio à marca. Ainda assim, os nomes de domínio não podem estar sujeitos a um enquadramento jurídico com recurso aos sinais distintivos legalmente tipificados, porque o recurso à analogia não é permitido, uma vez que os direitos de propriedade industrial, como é o caso da marca, se tratam de direitos com carácter excecional e porque a cada sinal distintivo está associada uma função distintiva específica.

 

Violação de marca

Inúmeras são as práticas predatórias de registo indevido de nomes de domínio conhecidas por domain grabbing designadamente:

  • cybersquatting, que se refere ao registo habitual de nomes de domínio iguais a marcas, sobretudo marcas amplamente conhecidas ou com reputação com o objetivo de serem revendidas aos titulares das marcas;
  • warehousing, relativo ao armazenamento e leilão de nomes de domínio registados com adjudicação pela melhor oferta (prática que pode incluir o cybersquatting).

 

Por esta razão, os titulares de marcas gozam de proteção face ao registo de um nome de domínio que seja conflituante com a sua marca. Esta proteção, no entanto, encontra-se limitada aos princípios da especialidade e da territorialidade.

Por um lado, o princípio da especialidade determina que, se alguém registar a seu favor o nome de domínio vichy.com, por exemplo, para comercializar cosméticos pode ser impedido pelo titular da marca de manter o nome de domínio. Já não poderá ser impedido se o propósito for o de vender livros sobre a cidade francesa.

As marcas notórias são uma exceção a este princípio, ou seja, não poderá um indivíduo registar a seu favor um nome de domínio de uma marca que não lhe pertença, independentemente da atividade económica que exerça. O registo do nome de domínio de uma marca notória, como é o caso da Coca-Cola, será sempre inviabilizado, independentemente da atividade económica exercida no site para o qual o nome de domínio o remeta.

 

 

Por outro lado, o princípio da territorialidade determina que um nome de domínio se encontra, em princípio, circunscrito ao território onde opera o site. Pergunta-se: pode o titular de marca em determinado país opor-se à utilização de um nome de domínio noutros países, ainda que não tenha marca registada? A resolução deste problema pode ser feita de dois modos:

  • Através do princípio da prioridade: aquele que tiver registado primeiro o direito é que tem possibilidade de fazer uso dele na internet;
  • Através de uma conciliação de direitos: não pode ser atribuída uma eficácia universal a um monopólio de âmbito originariamente territorial, sem que nenhum dos interesses que fundamentam o justifique.

 

Resolução de conflitos entre nomes de domínios e marcas

Os conflitos entre nomes de domínios e marcas, em Portugal, podem ser resolvidos mediante recurso às seguintes entidades:

  • Arbitrare, que tem competência para resolver litígios em matéria de nomes de domínio .pt, designadamente os litígios decorrentes de registo, recusa de registo ou remoção de um nome de domínio pela DNS.pt; os litígios entre titulares e interessados em determinado nome de domínio; e os pedidos de indemnização civil relativos a danos decorrentes da utilização indevida de nomes de domínio. Esta competência advém do Regulamento DNS.pt, que refere que em caso de conflito sobre nomes de domínio os titulares dos mesmos, podem comprometer-se a recorrer à arbitragem voluntária institucionalizada, prevista e regulamentada pela Lei da Arbitragem.
  • Tribunal da Propriedade Intelectual (TPI), ao qual compete decidir os recursos das decisões DNS, enquanto entidade competente para o registo de nomes de domínio .pt, que registem, recusem o registo ou removam um nome de domínio.

 

Tanto o Arbitrare, como o TPI deverão, aquando da análise da eventual violação de uma marca por um nome de domínio, verificar o preenchimento dos seguintes pressupostos:

a) O nome de domínio é coincidente, idêntico ou suscetível de gerar confusão com um nome ou designação protegida nos termos de disposição legal em vigor a favor do requerente do processo arbitral;

b) O nome de domínio foi registado sem ter por base quaisquer direitos ou interesses legítimos anteriormente adquiridos pelo seu titular;

c) O nome de domínio está registado e está a ser utilizado de má-fé.

Caso se conclua pela violação do direito à marca por parte de um nome de domínio, a decisão será a da remoção e/ou transferência da titularidade do nome de domínio para o titular da marca.

 

Conclusões

Abertura da internet ao uso generalizado tem vindo a levantar inúmeras questões jurídicas, sendo que, no âmbito do direito intelectual, a questão mais relevante é a colisão dos nomes de domínio sobre sinais distintivos do comércio, nomeadamente as marcas.

As práticas predatórias por parte de alguns cibernautas trouxe consigo a necessidade de regulamentação, de forma a dirimir os inúmeros conflitos existentes hoje no espaço virtual e que se propuseram a tratar no presente artigo.

Conclui-se, por isso, que um titular de uma marca deverá, de forma a melhor salvaguardar os seus direitos e evitar práticas predatórias por parte de terceiros, registar sempre o nome de domínio da sua marca.


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