50 anos de Propriedade Intelectual em África

A propósito do 50º aniversário da Inventa International foi-nos lançado o desafio de analisar alguns dados sobre a propriedade intelectual nos últimos 50 anos no continente Africano.

 

Por ser impossível abarcar uma visão panorâmica dos vários acontecimentos, escolhemos apenas alguns tópicos que consideramos interessantes para este pequeno estudo. Em primeiro lugar, parece-nos ser importante fazer uma pequena introdução acerca do continente Africano e a proteção da propriedade industrial nos países que o compõem.

Desde o início do novo milénio que o batimento cardíaco do crescimento económico de África acelerou o seu passo e o GPD tem vindo a subir cerca de 5% ao ano, sendo que o salário per capita aumentou em 2.1% ao ano. As infraestruturas dos países estão mais desenvolvidas e recursos como água, luz e internet tornam-se cada vez mais acessíveis a grande parte da população, mesmo nas áreas predominantemente rurais, o que contribui para a prosperação e desenvolvimento da economia.

O índice de pobreza tem vindo, pelas razões acima elencadas, a descer. Desde 2005 que cerca de oito milhões de pessoas deixaram de se encontrar em situação de pobreza e a proporção de pessoas a viver em pobreza extrema (com menos de 1.25 USD/dia), especialmente no Burkina Faso, Gana, Malawi, Mali, Moçambique, Ruanda, Senegal e Uganda desceu cerca de 50%.

 


"(...) África continua a ser um continente muito rico em recursos naturais, porém, os seus países são ainda muito dependentes da importação, um fator que acaba por ser muito atrativo para investidores e empresas."


 

O capital humano é, sem dúvida, a chave para a boa condução do crescimento do continente Africano a todos os níveis. Nos últimos vinte anos a população africana aumentou em cerca de 2.5% por ano e, em 2011, o número de pessoas que viviam no continente excedeu a marca do bilhão. Estima-se que em 2050 alguns dos países africanos tenham duplicado e triplicado a sua população, o que faz com que África seja a região com maior crescimento populacional atual.

Em 2020, perante a pandemia mundial que assolou o mundo, África, tal como todos os outros continentes, teve um retrocesso e viu o seu crescimento económico a abrandar ligeiramente. 

No entanto, África continua a ser um continente muito rico em recursos naturais, porém, os seus países são ainda muito dependentes da importação, um fator que acaba por ser muito atrativo para investidores e empresas.

Neste contexto, sabemos que o registo e proteção da propriedade industrial é fundamental para operar em cada e qualquer um dos países do continente africano. Países que estão, muitos deles, ainda em desenvolvimento e que, apesar de todos os progressos, continuam a ser particularmente problemáticos naquilo que concerne à violação de direitos de propriedade intelectual e a sua contrafação. Para além do registo efetuado junto dos Institutos Nacionais, é ainda extremamente aconselhável que se proceda, sempre que possível e nos países em que este serviço existe, ao registo dos direitos junto das Alfândegas.

O registo de direitos de propriedade industrial em África pode ser um processo moroso e, por vezes, complicado, pelo que é importante que as empresas procurem boa assessoria neste âmbito. Alguns dos profissionais locais não são fiáveis, podendo deixar os processos pendentes e os clientes sem resposta, sendo extremamente importante procurar firmas de confiança.

O processo de registo de marcas, patentes e desenhos industriais pode variar mas, em média, o tempo mínimo e máximo varia entre os nove meses e o ano e meio. Grande parte dos países não exige procuração e documentos legalizados ou notarizados, o que facilita em muito a agilização dos processos de registo, porém, outros países como Angola, Ruanda, Cabo Verde, Egito, Etiópia, Libéria, Líbia, Madagáscar, Maurícias, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Seychelles, Sudão do Sul e Sudão, ainda obrigam à notarização e legalização de documentos com vista ao registo de direitos de PI.

Feita esta pequena introdução sobre o continente Africano e a proteção de direitos de propriedade intelectual nos países do continente, faremos agora uma breve análise sobre e evolução das leis de propriedade industrial nos últimos 50 anos.

 

As legislações vigentes de Propriedade Industrial no Continente Africano

Na preparação deste estudo foram compilados dados sobre as últimas leis de Propriedade Intelectual nos vários países que compõem o continente Africano. Se recuarmos no tempo, precisamente 50 anos, ao ano de 1971 notamos que muitos países haviam acabado de se tornar independentes ou encontravam-se no processo de independência. É natural, por isso, encontrar leis de PI promulgadas após a independência de alguns países que se cristalizaram no tempo. Em vários países, como Angola, a independência não trouxe paz imediata ao país e os processos de pacificação duraram diversos anos. É por isso normal constatar que os países com maior estabilidade política apareçam na listagem abaixo com leis de PI mais recentes. Talvez, porque é necessário haver paz social e política para que se possam desenhar e actualizar sistemas de protecção de PI.

Abaixo é possível encontrar uma listagem do ano de promulgação das leis nacionais relativas à proteção de marcas, patentes e desenhos, seguida do ano de adesão à Organização Mundial da Propriedade Intelectual e, finalmente, do ano de adesão ao Protocolo de Madrid por parte de todos os países do continente Africano.

 

 

Em primeiro lugar, podemos ver que, há vários países cujas leis nacionais acompanharam a evolução humana e tecnológica, bem como optaram por harmonizá-las de acordo com os tratados internacionais e regionais vigentes. Assim sendo, pode dizer-se até que, os países que se encontram mais desenvolvidos atualmente no contexto socioeconômico africano, são aqueles que têm vindo a optar por atualizar as suas leis de propriedade intelectual. Não é por isso estranho ver países do norte de áfrica, como a Argélia, o Egipto, a Tunísia, a Líbia, a Libéria e Marrocos, com leis mais atuais do que outros países do continente africano. Por outro lado, vemos ainda países como a Libéria, Líbia, Madagáscar, Malawi, Moçambique, Namíbia, Ruanda, São Tomé e Príncipe, Seychelles e Serra Leoa com leis relativamente atuais para o panorama internacional, o que é, naturalmente, de louvar. Na outra face da moeda, encontramos países que, curiosamente até são grandes potências económicas no Continente, mas que, têm leis extremamente desatualizadas, o que depois se repercute na ausência de mecanismos legais eficazes para combater as violações de direitos da propriedade intelectual. Assim sendo, como exemplos destes países, temos Angola, o Congo e a Nigéria.

 


" (...) harmonizando, assim, as suas leis de propriedade intelectual, permite uma maior eficácia dos direitos de propriedade intelectual e, bem assim, contribui para a segurança jurídica destes."


 

Em segundo, parece-nos importante louvar o esforço feito por parte de alguns países africanos de criarem e aderirem a acordos regionais relativos à proteção da propriedade intelectual. Veja-se, por isso, a Organização Africana de Propriedade Intelectual (Organisation Africaine de la Propriété Intellectuelle), criada através do Acordo de Bangui, assinado em 1977, na capital da República Centro-Africana, que lhe dá nome. Esta organização, que conta atualmente com 17 estados membros, todos maioritariamente francófonos, permite um registo centralizado junto da organização que se estende, automaticamente, a todos os estados membros, designadamente, o Benin, o Burkina Faso, os Camarões, a República Centro-Africana, o Chad, o Congo, a Costa do Marfim, a Guiné Equatorial, o Gabão, a Guiné, a Guiné-Bissau, o Mali, a Mauritânia, o Niger, o Senegal, o Togo e as ilhas Comoro. De outro lado, é possível encontrar a ARIPO (The African Regional Intellectual Property Organization), criada através do Acordo de Lusaka, assinado no ano 1976, que permitiu a criação de uma organização regional africana de protecção da propriedade intelectual, segundo a qual se prevê uma centralização do registo dos direitos de PI, um pouco à semelhança do registo internacional de Madrid, ou seja, através da designação de estados.

A ARIPO conta com vários acordos distintos para cada um dos direitos, sendo o acordo de Banjul, referente à protecção de marcas composto pelos seguintes membros: Botswana, Lesoto, Libéria, Malawi, Moçambique, Namíbia, São Tomé e Príncipe, Suazilândia (e-Swatini), Tanzânia, Uganda e Zimbabwe. Já o Acordo de Harare, que se refere à proteção de patentes, é composto pelos seguintes estados membros: Botswana, Gâmbia, Gana, Quénia, Lesoto, Libéria, Malawi, Moçambique, Namíbia, Ruanda, São Tomé e Príncipe, Serra Leoa, Sudão, Suazilândia, Tanzânia, Uganda, Zâmbia e Zimbabwe. Naturalmente, que este esforço dos países em integrar estas organizações regionais, harmonizando, assim, as suas leis de propriedade intelectual, permite uma maior eficácia dos direitos de propriedade intelectual e, bem assim, contribui para a segurança jurídica destes.

Por fim, uma nota final acerca da adesão ao sistema de Madrid por parte dos países africanos. Como se sabe, o sistema de Madrid trata-se de um mecanismo internacional de registo de marcas, administrado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). Este sistema prevê a centralização dos pedidos de registo na OMPI, havendo depois um processo de concessão e registo por parte de cada um dos países designados. Nesta medida, à semelhança do que acontece com grande parte dos países do mundo, também é possível encontrar vários países africanos que integram o sistema de Madrid (seja o Acordo seja o Protocolo de Madrid). É possível verificar que grande parte dos países africanos faz parte do sistema de Madrid, são aqueles que, curiosamente, têm optado por atualizar as leis de protecção de propriedade intelectual ao longo dos anos. Por outro lado, é possível encontrar países que ocupam lugares cimeiros como verdadeiras potências económicas africanas que, não atualizam as suas leis de propriedade intelectual, bem como não aderem a acordos internacionais importantes, como é o caso do sistema de Madrid. Infelizmente, conforme já se referiu, um sistema de proteção de propriedade intelectual desatualizado, permite, unicamente, que o sistema encontre falhas e se encontre em situação de vulnerabilidade para a sua violação por parte de infratores que encontram as brechas necessárias no sistema para lucrarem com ele.


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