Marcas da União Europeia: Podem as abreviaturas e os acrónimos ser registados?

A função distintiva e a capacidade distintiva

As marcas servem para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. Esta é a função da marca mais relevante para o sistema jurídico. Apenas sinais que tenham capacidade de distinguir, ou seja, capacidade distintiva, podem cumprir aquela função. Por esta razão, as normas que regulam o direito de marca determinam que não pode ser protegida, nomeadamente através do registo, a marca que não tenha capacidade distintiva.

Na União Europeia, tanto o Regulamento sobre a marca da União Europeia ((EU)  2017/1001) como a Diretiva que aproxima as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas ((EU)  2015/2436), incluem uma norma geral de proibição de registo de marcas “desprovidas de carácter distintivo” (artigos 7º, n.º 1, b) do Regulamento e 4º, n.º 1 b) da Diretiva) e uma norma específica de proibição de registo de marcas descritivas, ou seja, marcas que descrevem características dos produtos ou serviços que pretendem distinguir (artigos 7º, n.º 1, c) do Regulamento e 4º, n.º 1 c) da Diretiva).

Para as abreviaturas e os acrónimos, tem sobretudo relevância a proibição de registo de marcas descritivas. Esta norma tem dois fundamentos: o primeiro, que apenas marcas capazes de cumprir a sua função principal possam ser registadas, e o segundo, o interesse público de impedir a criação de direitos de exclusividade de uso de termos que outros comerciantes poderão querer utilizar.

Por exemplo, os termos “Sumo de laranja” não podem ser marca registada para identificar o produto sumo de laranja, não apenas porque não são capazes de distinguir os sumos de laranja de uma empresa dos de outras, mas também porque se fossem registados, qualquer concorrente do titular do registo seria impedido de usar estes termos para indicar o tipo de produto comercializado.

A norma que prevê esta proibição foi interpretada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. O TJUE fixou que um “sinal deve ser recusado por ser descritivo se o seu significado for imediatamente percetível para o público relevante enquanto sinal fornecedor de informações sobre os produtos e serviços para os quais é pedido o registo.” E que a “relação entre o sinal e os produtos e serviços deve ser suficientemente concreta, direta e compreendida sem qualquer outra reflexão.” Ou seja, o método para aferir se um termo é descritivo é o seguinte: a) identificar o significado da marca; b) verificar se existe alguma relação entre o significado da marca e alguma característica dos produtos e/ou serviços; e c) em caso positivo, verificar se o público relevante identificará aquela relação de modo concreto e direto e se a compreenderá sem qualquer outra reflexão.

 

O caso das abreviaturas e dos acrónimos

Questiona-se se as abreviaturas ou os acrónimos de termos descritivos devem ser considerados também eles descritivos. Ou seja, questiona-se se sendo o termo “ecológico” descritivo para identificar produtos ecológicos, também o será a sua abreviatura “eco”. Ou se, sendo os termos “sumo de laranja” descritivos para identificar o produto sumo de laranja, se também o será o seu acrónimo “SDL”. Como com qualquer outro sinal, a resposta é dada pela aplicação do critério estabelecido pelo TJUE.

Uma abreviatura é descritiva se for usada de forma descritiva e se o público relevante do produto ou serviço em causa reconhecer a abreviatura como tendo o mesmo significado que o termo completo. No exemplo da abreviatura “eco”, na medida em que o público reconhece o seu significado de “ecológico”, verá na expressão uma descrição de uma característica do produto ou serviço e não como uma indicação da origem empresarial do produto, pelo que “eco” não pode ser registado como marca.

Outros exemplos de abreviaturas descritivas:

FLEX e FLEXI, como referentes a «flexível», para identificar calçado (13/06/2014, T-352/12)

MEDI, como referente a «médico», para identificar serviços médicos (12/07/2012, T-470/09)

Note-se que nem todas as abreviaturas de termos descritivos são descritivas. É sempre necessário averiguar no caso concreto se a abreviatura é reconhecida com o mesmo significado que tem o termo completo.

A situação dos acrónimos é semelhante. Apenas se um acrónimo for compreendido pelo público relevante de modo concreto e direto e se sem qualquer outra reflexão, como a indicação de uma característica do produto ou serviço em causa deverá ser considerado descritivo e, consequentemente, ser recusado o seu registo. Por exemplo, o pedido de registo de marca TDI foi recusado para veículos, pois o público relevante entenderá TDI com o significado de, respetivamente, «turbo», «diesel» ou «directo» e «injecção» (03/12/2003, T-16/02). Por outro lado, o acrónimo SDL, para identificar sumo de laranja não será entendido pelo público relevante com o significado de “sumo de laranja”, pelo que não será descritivo, podendo ser registado.

Diferentemente, nos casos em que um sinal é composto por um acrónimo não descritivo em si mesmo, que precede ou sucede uma combinação de palavras descritiva, deve ser aferido se o “público relevante entende a globalidade do sinal como uma simples expressão combinada com uma abreviatura dessa combinação de palavras” (Ex.: Multi Markets Fund MMF, 15/03/2012, C-90/11 & C-91/11). Em caso positivo, deve o pedido de registo ser recusado.

Por outro lado, a marca será registada caso o público relevante não entenda de forma direita e imediata o acrónimo como referente à combinação de palavras descritivas, mas como “um elemento distintivo que fará com que o sinal no seu conjunto prevaleça sobre a soma dos seus elementos individuais, como demonstrado no exemplo seguinte: «The Organic Red Tomato Soup Company – ORTS».” [1]

 


[1] Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia, Orientações sobre marcas e desenhos ou modelos, https://guidelines.euipo.europa.eu/1923149/1868526/orientacoes---marcas/2-4-abreviaturas-e-acronimos


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