TotalPollution vs. Campeonato do Mundo de Rugby: Problemas com a marca registada?

A pouco mais de uma semana do início do campeonato do Mundo de Rugby que irá decorrer em França, a Greenpeace lançou a campanha “Total Pollution: A Dirty Game” que visa criticar o patrocínio da TotalEnergies a este Torneio, referindo que este apoio “visa um greenwashing das suas atividades de destruição do clima”.

O vídeo da campanha é uma clara alusão ao jogo inaugural do campeonato que se irá realizar no dia 8 de setembro entre a seleção anfitriã (França) e a Nova Zelândia. Neste vídeo uma inundação de petróleo surge de um painel publicitário da TotalEnergies, submergindo as bancadas e relvado até transbordar para fora do estádio. A Greenpeace pretende desta forma ilustrar a sua alegação de que “a indústria de combustíveis fósseis produz um estádio cheio de petróleo a cada 3 horas e 37 minutos”.

No vídeo, podemos identificar a marca mista “Rugby World Cup France 2023”, propriedade da Rugby World Cup Limited (RWCL) como entidade responsável pela organização do Campeonato Mundial de Rugby.

Segundo o The Drum , um representante legal da RWCL enviou uma carta à Greenpeace com o seguinte teor: “o vosso uso da propriedade intelectual da RWCL não foi autorizado por esta e/ou pelo parceiro comercial ou pelos outros membros parceiros e, portanto, infringe os direitos de propriedade intelectual da RWCL” e “para evitar a necessidade de procedimentos legais formais” devem “cessar e desistir imediatamente”, retirando o vídeo, e “abster-se de qualquer novo uso do género no futuro”.

De acordo com a ECO, a Greenpeace considera que não existe qualquer uso indevido de marca nem violação dos direitos da RWCL, tendo defendido que a legislação do Direito das Marcas da União Europeia permite o uso de marca registada por terceiros, desde que não seja com o objectivo de comercializar produtos ou serviços.

Do ponto de vista do Direito da Propriedade Industrial, sendo claro que estamos perante um caso de uso de marca por um terceiro não autorizado, levanta-se a questão de saber se este uso não autorizado é justificado pelo facto não haver aproveitamento comercial da parte do suposto infractor, tal como defende esta Organização Não Governamental (ONG).

De facto o n.º 2 do artigo 10.º da Diretiva (UE) 2015/2436 que aproxima as legislações dos países da UE em matéria de marcas estabelece o seguinte: “Sem prejuízo dos direitos adquiridos pelos titulares antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca registada, o titular dessa marca registada fica habilitado a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, utilizem na vida comercial, relativamente a produtos e serviços, sinais que sejam: (…)”.

Existe, portanto, uma clara menção ao uso na “vida comercial” o que se entende, certamente, por aproveitamento comercial e sendo a Greenpeace uma organização sem fins lucrativos poderá aproveitar esta excepção para continuar a campanha “Total Pollution: A Dirty Game”.

O proprietário de uma marca pode impedir que outros a utilizem para evitar confusão sobre a origem dos produtos ou serviços. No entanto, em algumas circunstâncias, um terceiro pode usar a marca se a utilização for considerada como "fair use".

A menção do uso na vida comercial inserida no artigo mencionado, poderá implicar um reconhecimento desta exceção de "uso justo", uma vez que permite o uso não autorizado de uma marca, desde que não implique a sua utlização na venda de produtos e/ou serviços.

Contudo, este argumento poderá não ser suficiente para justificar a ação da Greenpeace, uma vez que, geralmente, o conceito de “fair use” para o uso que não implique utilização comercial está relacionado com artigos académicos, relatórios dos meios de comunicação social e outras formas semelhantes de conteúdo.

O facto de a Greenpeace ser uma ONG que depende de doações e financiamento externo levanta a questão de esta campanha poder contribuir para uma continuação ou aumento de doações da parte de entidades sensiveis a esta causa, o que poderá colocar em xeque o argumentodo não aproveitamento comercial.

Apesar de, segundo o The Drum, um representante da RWCL ter afirmado que não pretende instaurar uma ação legal neste caso particular, certamente que seria um caso interessante para clarificar o conceito de “fair use” e o uso na vida comercial de marcas no território Europeu.


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