Pedidos de registo de marcas efetuados de má-fé

Importante compromisso de entendimento de interpretação na UE

Os Institutos de Propriedade Intelectual da União Europeia que integram a Rede de Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPN), publicaram, em Março de 2024 a Comunicação Comum referente a Pedidos de marcas efetuados de má-fé, estabelecendo mais um entendimento comum que visa aumentar a segurança jurídica e previsibilidade das decisões.

A Diretiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 2015 que aproxima as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas determina expressamente que a má-fé  do requerente no pedido de registo de marca constitua fundamento de nulidade do registo, deixando como facultativo aos Estados-Membros a previsão da má-fé no pedido como fundamento de recusa do registo.

Porém, a legislação da UE não define o conceito de má-fé nos pedidos de registo de marca, nem especifica fatores a serem considerados para a integração de tal conceito.

O Tribunal de Justiça já reconheceu o conceito de «má‑fé» como um conceito autónomo do direito da União ao qual deve ser dada uma interpretação uniforme na União Europeia (v. caso Malaysia Dairy, ECLI:EU:C:2013:435) tendo emitido sucessivas decisões jurisprudenciais que orientam a interpretação do conceito de má-fé, em sede de direito de marcas.

 


O momento determinante da má-fé é o do pedido de registo, sendo que independentemente do decurso do tempo ou de transmissão, o registo permanece vulnerável a nulidade a todo o tempo, se o respetivo pedido foi feito de má-fé. A intenção desonesta do requerente é um fator obrigatório que tem de ser sempre verificado para a constatação da má-fé.


 

Não obstante e tendo constatado a ausência de uniformização e interpretações divergentes no que respeita à má-fé nos pedidos de registo nos Estados Membros que já avaliavam este fundamento,  a EUIPN apresenta a comunicação comum com prática harmonizada para a avaliação deste fundamento de nulidade do registo.

Destacam-se os seguintes entendimentos resultantes desta Prática Comum:

Presume-se a boa-fé do requerente, cabendo a quem invoca a má-fé o ónus da prova com demonstração de circunstâncias objetivas que permitam o determinar da má-fé.

O momento determinante da má-fé é o do pedido de registo, sendo que independentemente do decurso do tempo ou de transmissão, o registo permanece vulnerável a nulidade a todo o tempo, se o respetivo pedido foi feito de má-fé.

A intenção desonesta do requerente é um fator obrigatório que tem de ser sempre verificado para a constatação da má-fé.

Sem excluir que possa haver outras, na prática comum são destacadas duas diferentes facetas de má-fé, com exemplos com referência a decisões jurisprudenciais em que (nem sempre tendo sido verificada no caso) a má-fé foi discutida:
 

1. A intenção de apropriação indevida de direitos de terceiros:

  • Parasitar e tirar partido de direito(s) anterior(es) de terceiro (com referência, entre outros, ao caso NEYMAR EU:T:2019:329);
  • Usurpar os direitos sobre a marca de um terceiro;
  • Criar uma falsa impressão de continuidade de herança entre a marca que terá sido pedida de má-fé e uma marca histórica que antes gozou de prestígio, ou de uma entidade ou direito anterior célebre, que o público pertinente ainda conheça.
     

2. Utilização abusiva do sistema de marcas

  • Impedir o registo de marca de terceiro e/ou obter vantagens económicas de tal posição de bloqueio;
  • Reforçar proteção de direito do próprio requerente, e alargar portefólio de marcas sem qualquer logica comercial honesta;
  • Evitar produzir provas de uso de marca(s) registada(s) anterior(es), prorrogando o período de graça de 5 anos (aqui com referência ao conhecido caso Monopoly (EU:T:2021:211) em que a própria parte reconheceu ter adotado esta estratégia de registo);
  • Evitar as consequências da invalidação de um registo (por exemplo na sequência de caducidade de um registo de marca por falta de uso sério)
     

São também enumerados fatores exemplificativos orientativos, que poderão ser relevantes para a avaliação da má fé no caso concreto: o conhecimento anterior ou presumido do requerente de que um terceiro está a usar ou tem um direito anterior idêntico ou semelhante, o grau de proteção jurídica do direito anterior de um terceiro, a identidade ou semelhança entre a marca pedida e o(s) direito(s) anteriore(s), os produto(s)/serviço(s) em questão, o risco de confusão, a relação anterior entre as partes (sendo a relação interpretada em sentido lato abrangendo e.g. relações informais), a origem da marca pedida e a sua utilização desde a sua criação, a cronologia dos acontecimentos que antecederam o pedido a marca controvertida, a lógica comercial honesta subjacente ao pedido da marca, ter havido um pedido de compensação financeira (se o pedido tiver sido efetuado com intenção de extorquir dinheiro) e o padrão do comportamento ou dos atos do requerente.

 


A má-fé no pedido de registo desvirtua o sistema de registo de marcas. Importa tutelar a leal concorrência e combater o uso instrumentalizado do sistema de registo de marcas.  


 

É reconhecido que esta lista de 11 fatores não é exaustiva e por outro lado, que a verificação de um ou mais dos fatores não implica necessariamente a existência de má-fé, que tem sempre por fator obrigatório a intenção desonesta do requerente.

Perante o exposto, constatamos que a aferição da má-fé no pedido de registo de marca obriga a uma detalhada análise do caso concreto, seguindo jurisprudência interpretativa do Tribunal de Justiça. Nos casos em que a má-fé é invocada, o decisor terá de atender a todo o contexto do litígio e decidir mediante a prova no processo e os critérios interpretativos do Tribunal de Justiça, não se podendo e.g. limitar a considerações gerais e a decidir com base em quem primeiro requereu o registo de uma marca.

A má-fé no pedido de registo desvirtua o sistema de registo de marcas. Importa tutelar a leal concorrência e combater o uso instrumentalizado do sistema de registo de marcas.  É de saudar a implementação desta prática comum, com vista a que nos diferentes Estados Membros a avaliação da má-fé seja efetiva, coerente e previsível, sem prejuízo de ser sempre apreciada em função do caso concreto.


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