O Impacto do Acordo sobre o Brexit nos Direitos de Propriedade Intelectual

O referendo para determinar a saída do Reino Unido (RU) da União Europeia (EU), popularmente conhecido como “Brexit” ocorreu há um ano e meio e os termos para a retirada começaram a ser discutidos, formalmente, desde março do ano passado. Os direitos de propriedade intelectual tiveram que fazer, por razões óbvias, parte do debate.

À luz do mais recente acordo entre o Governo da UE e o Reino Unido sobre a retirada do país da União Europeia - publicado em 19 de Março - foram estabelecidas provisões sobre a protecção e aplicação dos direitos de propriedade intelectual aquando do fim do período de transição.

O rascunho do documento encontra-se organizado através de um código de cores. Na seção relativa aos direitos de propriedade intelectual, encontramos segmentos de texto realçados a verde néon - o que significa que essas disposições alcançaram um alto nível de acordo nas negociações. É este o caso das disposições sobre registos de marcas da UE, direitos sobre variedades vegetais, direitos comunitários e proteção de bases de dados. Todos os direitos supracitados vão permanecer protegidos, ficando por definir pequenos apontamentos técnicos, cujo acertamento deverá ocorrer já nas próximas semanas.

O artigo 50.º do contrato, com a epígrafe “Proteção continuada no Reino Unido dos direitos registados ou concedidos”, determina que o proprietário de qualquer das marcas acima mencionadas deverá, “sem qualquer reexame, tornar-se titular de um direito de propriedade intelectual equivalente no Reino Unido ”. Ademais, as datas de pedidos de registo, prioridade e senioridade serão preservadas, assim como as primeiras datas de renovação permanecerão inalteradas em relação às estabelecidas para os correspondentes direitos da UE.

Contudo, a situação relativa à proteção das indicações geográficas, por um lado, e os pedidos pendentes de certificados suplementares de proteção no Reino Unido, por outro, continua por determinar no âmbito das negociações pós-Brexit, que continuam.

Existe, de igual modo, algum nível de incerteza quanto à forma como os direitos unitários serão tratados após o período de transição, nomeadamente, como a situação deve ser tratada tanto pelo Gabinete da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) como pelos tribunais da UE.

Quanto a estas questões, o CITMA (Chartered Institute of Trademark Attorneys) ofereceu garantias de um debate continuado e envolvimento de todas as partes interessadas. Desta feita, uma reunião entre o Instituto, o EUIPO e o Ministro da Propriedade Intelectual do Reino Unido deverá acontecer ainda esta semana. O foco principal da discussão será sobre os direitos de representação – como por exemplo, a capacidade dos advogados especializados em marcas do Reino Unido continuarem a representar os seus clientes perante o EUIPO - e outras questões relacionadas com a retirada, como variados detalhes que ainda precisam de ser estipulados. Sobre este propósito, passaremos a enunciar alguns dos pontos fulcrais que carecem de densificação.

Ora, ainda não há consenso sobre o mecanismo que envolve a criação do direito “comparável” do Reino Unido, mais especificamente, se um recairá um encargo financeiro ou/e um procedimento administrativo adicional sobre os titulares de direitos de PI.

A anulação ou revogação de uma marca europeia (EUTM) ou de um Desenho Comunitário Registado (RCD) na EU, que resulte de um processo judicial ou administrativo em curso no final do período de transição, produzirá os mesmos efeitos do que os previstos para o direito equivalente no Reino Unido. No entanto, este último perderá o poder de conduzir as audiências em ações judiciais em curso que envolvam direitos da EU, no que respeita às questões acima mencionadas. Apesar disto, o debate continua no que concerne saber quem decide se os motivos de invalidez ou de revogação se aplicam ao Reino Unido e se o país se encontrará vinculado às decisões da UE nesse apreço.

Quanto ao direito de prioridade sobre os direitos acima mencionados, é garantido com uma prorrogação de prazo - dos usuais seis a nove meses. A mudança, por si só, parece beneficiar os detentores de direitos de PI. Para uma maior segurança jurídica, a maioria dos requerentes começará a apresentar marcas da UE e do Reino Unido à medida que o período de transição se aproximar do final, uma vez que a concessão da marca da UE poderá não ocorrer antes do final do período de transição. O tempo de processamento habitual para a marca da UE do pedido ao registo é de quatro a seis meses, mas os requerentes também podem optar por apresentar uma marca do Reino Unido se houver um risco acrescido de receber uma oposição. Não obstante, a extensão do direito de prioridade dará aos candidatos mais tempo para decidir o melhor curso de ação.

As revogações fundadas no não-uso não devem ser concedidas com o fundamento de que a marca não foi usada no Reino Unido antes do final do período de transição. Consequentemente, um período extra de tempo será concedido para que o direito seja usado nessa jurisdição.  

Segundo o acordo provisório, parece que as marcas equivalentes do Reino Unido serão beneficiadas pela reputação que o “direito europeu” equivalente adquiriu na data do final do período de transição. No entanto, ficou por determinar por quanto tempo e em que termos.

Quanto às marcas e desenhos internacionais nos quais a UE foi designada fica estipulado que se o titular obteve proteção num momento anterior, continuará a beneficiar dela ao mesmo nível. No entanto, carecem ser feitos ajustes adicionais quanto a este ponto.

Por último, mas não menos importante, os direitos esgotados no Reino Unido e na UE foram igualmente endereçados. Os direitos esgotados antes do período de transição nesses territórios permanecerão esgotados após a transição. Quanto a este ponto, a solução parece bastante razoável. No entanto, o problema prende-se em saber se o Reino Unido adotará, aquando do término do período de transição, a exaustão dos direitos internacionais ou, meramente, no RU. A acontecer, prevê-se que causará algumas dificuldades para a cadeia de fornecimento, dado que os stocks não se encontraram esgotados. Esta situação levará à imposição de fazer uma discriminação entre mercadorias em função do mercado em que foram colocadas primeiramente, no UE ou no Reino Unido, antes ou depois do período transitório.

Independentemente de todos os aspectos que necessitam de mais esclarecimentos há agora algum nível de certeza sobre como os direitos de Propriedade Intelectual continuarão a ser tratados no Reino Unido aquando do final do período de transição.

Contudo, parece-nos que um esforço real está a ser feito para proporcionar o debate entre as todas as partes relevantes. Neste seguimento, o INTA voltará a reunir-se com as autoridades competentes britânicas no final de março.

Assim, resta-nos esperar que as principais questões sejam prontamente identificadas e devidamente abordadas nas próximas sessões de debates que se aproximam.


Anterior Próxima