Marcas que se tornam genéricas

Miguel Bibe 4 de junho de 2018

Será a marca CrossFit “grande demais”?

Esta nova dinâmica que veio revolucionar o treino físico indoor, criada em 2000 por Greg Glassman, consiste numa metodologia de treino físico focada no desenvolvimento das habilidades físicas gerais a partir de um treino dinâmico e funcional. Através deste novo método, os praticantes através de WOD´S (work of the day) desafiam constantemente a sua capacidade de resistência física e mental.

Basta verificar o exponencial crescimento do número de afilados para constatar que o CrossFit ganha cada vez mais adeptos, contando atualmente com milhares de afiliados espalhados em todos os continentes.

O que não será tão conhecido é o facto do nome deste método de treino estar protegido sob o registo de marca em praticamente todo o Mundo, em que, caso um possível interessado pretenda abrir um espaço aberto ao público e utilizar na designação desso espaço o termo “CrossFit”, com o objetivo de atrair clientela que procure treinar segundo esta filosofia, está sujeito a que os titulares da marca concedam uma licença para usar o nome “CrossFit”, em que uma das condições é o pagamento de uma quota anual de 3.000 USD.

Olhando para o crescente número de afiliados e tendo em conta o pagamento da quota anual, rapidamente se chega à conclusão que a marca “CrossFit” se tornou bastante lucrativa, contando com uma grande notoriedade a nível mundial. No entanto, paralelamente à globalização de licenciamentos, surgiu a globalização de várias BOXS (termo adotado pelos espaços de prática de CROSSFIT) que utilizam o nome e a filosofia CrossFit sem a permissão ou pagamento do licenciamento aos titulares da marca “CrossFit” para o uso da marca.

Apesar de ainda não ter surgido nenhuma situação de litígio concreto, importa averiguar se um terceiro interessado pode utilizar a designação “CrossFit” para identificar produtos ou serviços relacionados com o treino físico sem o consentimento e licenciamento dos titulares da marca “CrossFit”.

Assim surge a questão das marcas que se tornam genéricas, ou seja, marcas em que os seus produtos ou atividades associadas atingem um nível de notoriedade tão elevado que, na linguagem comum, os produtos ou atividades do mesmo género passam a ser designados pelo nome da marca perdendo a sua capacidade distintiva (requisito essencial para a proteção de marca) e tornando-se em termos genéricos e, como tal, não sendo de apropriação exclusiva e entrando no domínio público.

Apesar da apreciação da “genericidade” (processo de uma marca que se torna genérica) ter de ser feita com a devida cautela e a nível territorial, existem inúmeros casos em que marcas perfeitamente distintivas se tornaram genéricas. Sendo exemplo disso a marca “ASPIRINA” da Bayer para “ácido acetilsalicílico sintético”, que foi declarada genérica nos USA; a marca “COTONETE” da Johnson & Johnson para “hastes flexíveis com algodões em ambas as pontas para limpar os ouvidos”; a marca “GILETE” da Gillete para “lâminas de barbear e/ou barbeadores em forma de T"; a marca “LYCRA” da Invista para “tecidos de poliamida” ou a marca “XEROX” da Xerox para “fotocopiadoras” no Brasil e USA.

Contudo, os casos mais semelhantes (por também estarem relacionados com a atividade física) são as marcas “PING PONG” e “PILATES”. Se no caso da marca “PING PONG” poderão surgir dúvidas visto que o nome técnico usado em competições oficiais da atividade é TENNIS DE MESA, no caso da marca “PILATES” não existe margem para dúvidas.

Este famoso método de treino foi inventado por Joseph Pilates e registado como marca. Contudo, a mesma começou a ser usada para descrever esta atividade física, tornando-se parte do vocabulário comum. A marca “PILATES” acabou mesmo por ser considerada genérica por um Tribunal Federal do Distrito do Nova Iorque em 2000, dado que se começou a  usar o termo PILATES para designar aquela forma de atividade física, o que significa que, atualmente, ninguém tem legitimidade para se apropriar do termo PILATES e, quem pretender inserir este termo na proteção da sua marca, terá de adicionar um elemento com capacidade distintiva suficiente.

Existem algumas medidas a adotar pelos titulares das marcas com o objetivo de evitar que estas se tornem genéricas, como evitar a utilização do nome da marca como um verbo ou um substantivo como por exemplo o uso quotidiano de frases como “vamos praticar CrossFit”, ou adotar um protocolo estrito para o uso da sua marca, como um tipo de letra específico, combinação de cores ou até posicionar o nome da marca numa determinada posição ou qualquer outra especificação que garanta um uso específico e correto da marca, bem como acompanhar sempre o sinal da marca pelo símbolo de marca registada ®.

Outra estratégia essencial será adotar uma política de não autorizar o uso por terceiros do nome da marca, com o objetivo de evitar o uso generalizado e que esta se torne descritiva.

Ora, com a política de licenciamento praticada pelos titulares da marca “CrossFit” em que esta começou a ser utilizada mundialmente por milhares de pessoas, em que qualquer um desses afiliados pode estilizar como bem entender o termo CrossFit, poderá conduzir a uma inevitável banalização do sinal da marca.

 E a juntar ao facto de começarem a surgir cada vez mais espaços abertos ao público em que se usa e divulga esta designação para atrair interessados na modalidade sem a respetiva autorização do titular da marca e, aparentemente sem consequências legais, confirma que esta marca, anteriormente totalmente distintiva, está a seguir o caminho de “genericidade”.

Contudo, será muito interessante verificar, em caso de litígio, que argumentação será utilizada pelos titulares da marca CrossFit para defender a capacidade distintiva e a não generalização da marca.


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