A importância da Propriedade Intelectual na Indústria dos Videojogos

A indústria dos videojogos tem crescido exponencialmente nos últimos anos, tendo ultrapassado largamente a receita gerada pela indústria cinematográfica de Hollywood. A transição de meio de entretenimento de nicho para uma indústria altamente lucrativa acarreta incremento no risco e cuidados a ter em igual proporção. Nesta medida, tendo em conta o volume presente em tudo o que envolve a indústria dos videojogos, a importância dos direitos intelectuais deve ser encarada como a maior prioridade quando se inicia um novo projeto.

 

A Propriedade Intelectual (PI)

A propriedade intelectual é uma matéria jurídica, na qual estão tipificados várias modalidades de ativos intelectuais de uma entidade. Estes ativos não estão sujeitos ao regime do direito de propriedade, uma vez que não são corpóreos. De todo o modo, devido à sua importância e valor, carecem de tutela jurídica.

É também necessário efetuar o registo de todos estes direitos junto das entidades competentes uma vez que a sua existência depende do registo, com a exceção dos direitos de autor. Em Portugal, esta entidade é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) ou Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (IPIUE), quanto aos direitos europeus.

Os direitos de propriedade intelectual têm como objetivo a promoção do desenvolvimento no mercado, através da atribuição de direitos exclusivos às entidades que procuram inovar, salvaguardando a posição destes contra os seus concorrentes. Estes últimos, mesmo competindo no mesmo mercado, encontram-se impossibilitados de apresentar produtos com determinadas características, aspeto e / ou identificados com sinais que sejam confundíveis, dependendo do/s direito/s aplicável/eis à situação em particular.

Na maioria dos estados e com as devidas exceções, os titulares de todos os direitos intelectuais, cujo registo é necessário, beneficiam de uma presunção de titularidade para a entidade que primeiro apresentar o pedido de registo. Adicionalmente é importante ainda ter em mente que qualquer direito intelectual sujeito a registo apenas produz efeitos nos territórios em que estiver registado, pelo que é sempre necessário determinar em que países se pretende proteger os ativos de PI. Quer isto dizer que o primeiro passo a tomar, quando se pretende criar e explorar comercialmente um novo produto, deverá ser o de promover o registo dos direitos intelectuais aplicáveis, nos países em que se pretenda comercializar os mesmos. Finalmente, deverá ainda considerar-se que cada modalidade de direito intelectual tem uma limitação temporal definida na lei, podendo, ou não, esta ser prolongada.

Temos assim vários direitos de propriedade intelectual tipificados, aplicáveis aos vários aspetos de um produto comercializado ou serviço prestado no mercado. Em matéria de videojogos, os direitos relevantes são patentes, marcas, desenhos ou modelos industriais e, finalmente, direitos de autor.

 

Patentes: Esta modalidade de direito intelectual protege as invenções e as suas características técnicas, garantindo ao inventor um benefício de exclusividade até 20 anos. Ou seja, nenhuma outra entidade poderá comercializar um produto com as mesmas características do produto protegido. Videojogos, enquanto software, por si constituem uma das exceções à patenteabilidade, expressamente previstas na legislação. Todavia, é possível proteger, por via de patente, invenções e características técnicas relacionadas com videojogos desde que estas resolvam problemas de carácter técnico.

Dentro de patentes relacionadas com videojogos podemos encontrar a patente europeia n.º EP0844580 da titularidade de KONAMI CO., LTD., que protege o mini-mapa presente nos jogos de futebol, na parte inferior do ecrã. Adicionalmente, outro exemplo de uma patente concedida é a patente europeia n.º EP1078664, da titularidade da NINTENDO CO., LTD.. Com esta patente, a titular protegeu um programa que permite gerar uma personagem numa determinada hora, mediante a hora do dispositivo, através de uma probabilidade variável. Outro exemplo de uma patente que resolve problemas técnicos será a de um novo motor de jogo.

 

Marcas: O objeto de uma marca é totalmente diferente do de uma patente. Enquanto estas protegem a matéria técnica de um produto, a primeira protege o sinal distintivo que identifica um determinado produto ou serviço, distinguindo-o dos restantes no mercado. Assim, uma marca atribui ao seu titular a exploração, a título exclusivo, de um nome, imagem ou ambos, para identificar uma lista específica de produtos ou serviços. Esta exclusividade permite, portanto, que a entidade titular de uma determinada marca promova a mesma junto dos seus consumidores-alvo, com a segurança de que ninguém poderá imitar ou usurpar a mesma marca. Uma marca tem a vigência inicial de 10 anos, podendo ser renovada por novos períodos, indefinitivamente.

As marcas permitem ainda ao consumidor identificar a origem empresarial dos produtos, ou serviços. Dependendo do prestígio e reputação da entidade, podem ainda servir para que o consumidor, ao verificar a marca, ter uma ideia da qualidade daquele produto.

Na indústria dos videojogos, um produto está geralmente associado a várias marcas. Poderemos ter a marca do próprio jogo, da/s produtora/s dos conteúdos do jogo e da entidade que tratou da sua distribuição. Podem ainda existir marcas referentes às personagens inseridas no jogo. As entidades que operam na indústria devem salvaguardar, através do registo das respectivas marcas, que os seus consumidores associam uma determinada série de jogos à sua empresa e que nenhuma das concorrentes poderá identificar um videojogo com um nome, imagem ou até mesmo personagens semelhantes.

Em suma, marcas têm as funções de i. permitir ao consumidor identificar a origem empresarial dos produtos identificados pelas mesmas; ii. permitir ao consumidor identificar determinadas qualidades de produto associadas à marca do mesmo; e iii. criar uma relação de lealdade entre produtor e consumidor. Assim, estas constituem o direito intelectual mais importante, do ponto de vista da relação produtor-consumidor.

 

Desenhos ou modelos industriais: Outra modalidade de propriedade intelectual que se poderá aplicar à indústria de videojogos é a dos desenhos industriais, usualmente referida como designs. Os desenhos industriais têm como objeto a proteção do aspeto de um determinado produto. Não protegem qualquer funcionalidade técnica, mas apenas as características externas tais como linhas, contornos, cores, forma, textura e / ou materiais do produto e da sua ornamentação. O titular de um design goza de um direito exclusivo de comercializar um produto com um determinado aspeto, independentemente do tipo de produto. O desenho ou modelo industrial tem uma vigência de 25 anos, sendo necessário o pagamento de taxas de renovação a cada cinco anos, tanto em Portugal como na União Europeia.

Assim, no que diz respeito à aplicação dos desenhos industriais na indústria dos videojogos, o titular dos direitos de um determinado jogo pode proteger não só o aspeto dos personagens do jogo e outros em modelos de jogo, como edifícios ou mapas, mas também a capa do videojogo ou até o aspeto da unit interface. estes registos impossibilitam que qualquer outra entidade comercialize, sem o seu consentimento, qualquer produto com a aparência do produto objeto do registo de desenho industrial.

 

Direitos de autor: Por fim, a última modalidade de direitos da propriedade intelectuais, que têm especial relevância nesta indústria, é a dos direitos de autor.

Estes são a principal exceção quanto ao requisito de registo, uma vez que existem sem que seja apresentado qualquer pedido de registo. De todo o modo, este registo é altamente recomendável na medida em que permite determinar a identidade do autor ou data de criação, em caso de litígio. Sobre as generalidades de direitos de autor em Portugal, fazemos referência ao artigo publicado em Fevereiro: https://www.inventa.com/pt/noticias/artigo/283/quem-que-quando-e-como-dos-direitos-de-autor

Os direitos de autor permitem ao seu titular, na sequência dos restantes direitos, explorar a sua obra com a segurança de que ninguém poderá introduzir, no mercado, qualquer produto que constitua uma cópia da sua obra.

Um videojogo trata-se de uma obra que integra todo um conjunto diferente de obras, quer tenham estas sido especificamente elaboradas para integrar o videojogo ou tenham origem independente e a integração na obra final seja posterior.

Nesta medida, dentro de um videojogo podemos encontrar, geralmente, as seguintes obras:

  • Obras escritas: guiões da história e de conversas entre as personagens e código fonte do jogo;
  • Obras videográficas: grafismo do jogo e nas chamadas cut scenes;
  • Obras composições musicais: toda a sonoplastia inserida no jogo, tanto na banda sonora como nos efeitos de som;
  • Obras gráficas / desenho: os esboços, arte conceptual e restante grafismo elaborado para um jogo;
  • Atuação vocal dos atores: desempenho dos atores se encontra protegido embora, na legislação portuguesa, esta modalidade esteja consagrada como direito conexo.

Assim, depreende-se que tanto a obra videojogo, como um todo, como todas as obras que o integram se encontram protegidas através de direitos de autor ou direitos conexos.

 

A indústria dos videojogos

Como começámos por afirmar, em 2017 a indústria dos videojogos gerou receitas de 117 mil milhões de dólares a nível global, sendo que o número de jogadores ativos já ultrapassou os 2 mil milhões. E a tendência destes números é subir, estando prevista a receita global atingir 138 mil milhões de dólares ainda em 2018, segundo previsões para o corrente ano.

Ainda quanto a valores, o jogo “Grand Theft Auto V” (“GTA V”), lançado originalmente em 2013, alcançou o astronómico valor de receita de 1 milhar de milhão de dólares em apenas 3 dias. O mesmo jogo, ainda em 2017, ultrapassou as 90 milhões de unidades vendidas no mundo inteiro.

Finalmente, nos últimos anos, a indústria dos videojogos, paralelamente a todas as indústrias com base tecnológica, viu a sua fonte principal de venda de artigos físicos em declínio em prol da distribuição digital, criando métodos alternativos de fornecimento de conteúdo aos seus consumidores. Os exemplos primordiais deste tipo de distribuição será o advento dos serviços de subscrição periódica e dos sistemas de micro-transações, particularmente dominante no campo dos jogos de telemóvel (mobile gaming).

Com isso em mente, a importância de adquirir direitos exclusivos, por meio de registos dos direitos de propriedade intelectual aplicáveis, não pode ser sobrestimada. Num mercado tão competitivo como este, a concessão de direitos exclusivos é essencial na medida em que pode determinar o sucesso ou fracasso de qualquer produto. Esses direitos exclusivos asseguram os seus titulares de que nenhuma outra entidade poderá explorar comercialmente quaisquer elementos protegidos de seus jogos ou o prestígio dos mesmos juntos dos consumidores, sem a sua autorização.

Ainda quanto à exclusividade dos direitos, aquando a aquisição de uma plataforma de videojogos por parte de um consumidor médio, a escolha de uma determinada plataforma em detrimento das restantes depende também dos jogos disponíveis para a mesma plataforma, sendo os artigos exclusivos um factor muito importante. A existência de exclusivos cria nos consumidores uma relação de dependência que depende apenas dos direitos de propriedade intelectual.

No que diz respeito à exclusividade de direitos, a escolha entre plataformas de videojogos concorrentes pode também depender dos jogos disponíveis para cada plataforma, na medida em que os jogos exclusivos constituem um fator diferenciador muito importante. Estes jogos exclusivos criam uma relação de dependência nos consumidores face à plataforma escolhida, cuja existência se baseia nos direitos de propriedade intelectual devidamente registados.

Além disso, os direitos de propriedade intelectual são uma característica essencial das relações contratuais entre empresas de diferentes setores, como as indústrias do desporto ou cinematográfica. Uma editora de videojogos que pretenda adaptar ou recriar elementos originais e protegidos de outro género de entretenimento deve primeiro entrar em contato com os proprietários da respetiva propriedade intelectual e adquirir as licenças necessárias para utilização do material original e vice-versa.

A existência de direitos de PI, portanto, permite ao seu proprietário aproveitar todo o potencial económico dos seus produtos, através da disseminação dos mesmos produtos por vários setores, para mútuo benefício e crescimento económico de todas as empresas envolvidas. Essas relações permitem uma melhor distribuição da receita, obtida a partir de um videojogo, através de diversos setores. Um dos exemplos mais famosos e lucrativos dessas relações é o jogo “FIFA”, com lançado anualmente. Para que este videojogo tenha as características conhecidas, e sobre as quais recai o seu prestígio entre os seus consumidores, a editora “Electronic Arts Inc.” deve adquirir as licenças necessárias dos direitos intelectuais de entidades como FIFA, UEFA, ligas nacionais e clubes reais que existem dentro do jogo. Da mesma forma, também é possível que um jogo seja adaptado a outro género de entretenimento, quando uma entidade de outra indústria pretende explorar comercialmente os direitos intelectuais resultantes de um videojogo. Um dos exemplos mais recentes é o novo filme de "Tomb Raider", que estreou no início deste ano.

Em conclusão, o ato de registar todos os direitos intelectuais deve ser considerado como a maior prioridade no início de um novo projeto, pois esses direitos atribuem ao seu titular uma vantagem fundamental contra a concorrência. Nesse sentido, dada a vertente exigente e competitiva da indústria dos videojogos, chegar primeiro é o caminho mais certo para a vitória.

 

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